Título: Risco na filantropia
Autor: Oliveira Júnior, José Reinaldo Nogueira de
Fonte: O Globo, 26/06/2010, Opinião, p. 7

Está em análise na Casa Civil da Presidência da República decreto que regulamentará a nova Lei de Filantropia (lei 12.101, de 27/11/09). Em vigor desde a sanção presidencial, em 30 de novembro do ano passado, a Lei de Filantropia criou um novo marco regulatório para as atividades de organizações do chamado terceiro setor, com o objetivo de acabar com os casos de desvios de finalidade existentes em muitas entidades supostamente filantrópicas.

Iniciativa meritória, mas que sem a devida regulamentação transformará um excelente remédio em poderoso veneno.

A mídia já expôs farta documentação sobre casos de organizações que usam a fachada da filantropia para explorar o sofrimento alheio e aplicar golpes. Assim, uma regulamentação, além de bem-vinda e necessária, merece aplausos. O problema do novo marco regulatório é que ao estabelecer regras muito rígidas, sem disciplinar os critérios pelos quais uma entidade possa ser considerada benemerente e, portanto, gozar das isenções fiscais, o legislador e o Executivo correm o risco de jogar fora a água do banho e junto o bebê.

Particularmente graves são as consequências para as organizações que atuam na área de Saúde. Hospitais filantrópicos de ponta e com décadas de serviços prestados correm o risco de fechar portas ou perder a certificação de filantropos, pois as exigências ignoram a saúde financeira destas entidades.

A questão ganhou urgência, pois a lei 12.101 entrou em vigor na data da sua publicação (30/11/2009), e seu texto determinou a regulamentação da matéria em 180 dias ¿ prazo vencido no fim de maio.

Agora, as entidades filantrópicas estão em uma espécie de limbo. Neste vácuo jurídico, hospitais filantrópicos que atendem o SUS (Sistema Único de Saúde) nem sequer conseguem a liberação de equipamentos de ponta pela Receita Federal, pois não possuem o certificado de filantropia e, portanto, não podem gozar dos benefícios fiscais.

Uma das questões mais importantes a ser regulamentada deve garantir a solvência e operação dessas instituições, e para isto será salutar uma interpretação mais precisa da exigência legal de atendimento de 60% do público por meio do SUS, hoje computadas por um critério que somente considera as internações na razão paciente/dia, desconsiderando a importância do atendimento ambulatorial, no qual diversas entidades estão inseridas, como é o caso da AACD (Associação de Assistência à Criança Defeituosa) e das Pestallozis, além de ignorar ¿ para efeitos de cômputo ¿ a complexidade do tratamento dado ao paciente.

Uma regulamentação consistente permitirá a um só tempo o rígido controle e a permanência dos verdadeiros filantropos, que merecem voto de confiança pelo histórico de bons serviços prestados ao país.