Título: O PT renascido
Autor: Coimbra, Marcos
Fonte: Correio Braziliense, 24/06/2009, Política, p. 6

Na medida em que é apenas a expressão estrita da continuidade, Dilma pode funcionar como convergência das correntes petistas, unificando suas tendências e movimentos.

Se a aposta de alto risco que Lula fez quando inventou a candidatura de Dilma vai dar certo, ninguém sabe. Investimentos de retorno elevado costumam não ser seguros. Quem quer ganhar muito tem que aceitar a incerteza.

Pode-se dizer que ele não tinha escolhas e que qualquer nome que lançasse seria igual. Em favor da ministra, não ter biografia própria significativa, fora de sua experiência no Planalto, poderia até ajudar na caracterização de uma candidata ortodoxamente de continuidade. Se o povo está satisfeito com o governo e gosta de Lula, por que não lhe oferecer um nome que é a promessa de que tudo vai ficar como está (fora os compromissos retóricos de ¿melhorar o que precisa ser melhorado¿)?

Não se pode assegurar que uma candidatura assim formulada seja inviável, pois sempre há uma primeira vez. O que sabemos é que não há registro, em nossa história política, de candidatos a cargos executivos importantes (como presidente, governador e prefeito de cidades grandes) que tenham vencido eleições se apresentando dessa maneira. A falta de currículo pessoal vai ser uma dificuldade e tanto na campanha de Dilma.

Nesta fase do processo eleitoral, no entanto, essa característica chega a ser favorável. Para o eleitor comum, ela aumenta a curiosidade em conhecer quem é a pessoa que Lula tirou do bolso do colete, o que não aconteceria se o nome fosse mais repertoriado. Com esse combustível, cresce mais rapidamente.

Mas é no plano interno, na vida partidária do PT, que a candidatura de Dilma mais se mostra positiva neste momento. Na medida em que é apenas a expressão estrita da continuidade, Dilma pode funcionar como convergência das correntes petistas, unificando tendências e movimentos.

Na verdade, reunificando um partido que foi profundamente marcado pelas cisões e divergências provocadas pela chegada ao poder em 2003 e, muito especialmente, pelo mensalão.

Depois de ter se tornado a primeira experiência brasileira de um partido político de massas, o PT quase acabou em 2005. O que foi em seus 20 anos de história, quando se tornou, para a população, ¿o único partido de verdade¿, como sempre mostraram as pesquisas, parecia que tinha sido apagado pelos escândalos.

Na reeleição de Lula, foi um PT mal remendado que ele teve que carregar. Venceu apesar do partido, ao contrário do que tinha ocorrido em 2002.

A conta por isso já foi apresentada e a candidatura de Dilma é parte. Mas ela tem um efeito colateral que pode marcar o futuro do PT de maneira muito significativa, independentemente do que vier a acontecer na eleição.

Quem acompanha pela imprensa as discussões internas talvez fique com uma imagem exagerada do que está acontecendo. Mas parece que não, que não é da boca para fora que o PT volta a ser um partido unificado e mobilizado. A candidatura de Dilma está conseguindo algo em que, há apenas dois anos, ninguém acreditaria.

A palavra de ordem ¿tudo por Dilma¿ é hoje seguida sem qualquer questionamento visível, mesmo pelos setores do PT que mais haviam resistido a ela no início. O percurso de Tarso Genro, de líder da corrente mais ostensivamente antimensalão e principal crítico da ¿candidatura artificial¿ a agora, quando se dispõe a abrir mão da candidatura ao governo gaúcho em troca de ¿palanques¿ para ela, é exemplar.

Não faz parte de nossos hábitos políticos alguém que lidera as pesquisas concordar em não ser candidato para contribuir com os projetos nacionais de seu partido. É o inverso que costumamos ver, na aplicação da teoria do ¿primeiro eu¿.

Entre sacrifícios grandes e pequenos, contabilizadas carreiras que serão atrasadas em até vários anos, muita gente do PT vai pagar caro para tentar eleger Dilma. São pessoas que tinham todo direito de aspirar a ser governador, senador ou deputado e cujos sonhos vão ser adiados. Por mais que estejam otimistas com as chances de sua candidata, sabem dos riscos que correm.

Há que respeitar o que o partido volta a ser: um partido, em um ambiente institucional hostil à sua existência e perpetuação. De agora a outubro de 2010, o PT recupera sua cara de partido. Ganhando ou não ano no que vem, isso a candidatura Dilma já conseguiu.