Título: Políticas públicas para novos hábitos
Autor:
Fonte: O Globo, 25/06/2010, Opinião, p. 6

Pesquisas de orçamento doméstico só eram feitas a cada dez anos por órgãos de apuração estatística e/ou análise econômica, pois os hábitos de consumo levavam muito tempo para sofrer alterações substanciais. No entanto, as últimas duas décadas foram marcadas por inovações tecnológicas que, somadas a um novo perfil demográfico do país, contribuíram para transformações mais aceleradas nesses hábitos de consumo.

A Pesquisa de Orçamento Familiar que o IBGE acaba de divulgar, relativa ao período de 2008-2009, demonstra bem isso. As refeições fora de casa, por exemplo, já representam mais de 30% dos gastos de alimentação dos brasileiros. Se, por um lado, tal comodidade se tornou possível porque a alimentação compromete menos renda das famílias, por outro aumenta o risco de desbalanceamento nutricional e de maiores despesas com saúde pessoal (tendência, aliás, detec tada pela mesma pesquisa).

Tal mudança de hábito de consumo certamente não está desvinculado do fato de a parcela de obesos da população ter se ampliado de 11% para 14% em cinco anos (de uma pesquisa para outra) e de 46% dos brasileiros estarem acima do peso.

A educação nutricional e o combate ao sedentarismo são hoje tão ou mais importantes que a preocupação com o suprimento de alimentos, embora cerca de 35% de brasileiros se declarem, de acordo com a pesquisa, insatisfeitos com a quantidade ou com o tipo de comida que consomem.

Políticas públicas terão de levar em conta essas mudanças, para mitigarem os impactos negativos do aumento de gastos pessoais com saúde ou da má qualidade dos alimentos. No entanto, pela primeira vez passou a ter relevância estatística na POF o consumo de alimentos leves e orgânicos, o que é alentador.

Gastos com habitação e transporte se tornaram mais expressivos nos orçamentos domésticos, o que pode ser reflexo da baixa oferta de novas moradias durante a década (a retomada da construção civil e do mercado imobiliário é fenômeno recente).

Já esse peso dos transportes teria decorrido da disseminação dos financiamentos para a compra de automóveis, fatia do crédito a pessoas físicas que mais se acelerou no período pesquisado.

De todo modo, tais números resultam de um considerável crescimento na renda média das famílias. O economista Marcelo Néri, da Fundação Getúlio Vargas, que acompanha atentamente a evolução de estatísticas socioeconômicas no país, calcula que a renda média das famílias tenha aumentado 21%, em termos reais, da pesquisa de 2002-2003 para a de 2008-2009. Trata-se de um avanço para o qual foi fundamental a o controle da inflação a partir do Plano Real, o que reforça a tese de como é necessário preservar a estabilidade monetária. Mas a POF também deixou evidente uma outra questão: o peso das transferências de recursos públicos na composição dessa renda. O modelo de Estado provedor não é economicamente sustentável.

Espera-se que em horizonte não distante essas transferências possam ser substituídas nos orçamentos domésticos por renda decorrente do próprio trabalho, o que dependerá de mais investimentos em educação e qualificação profissional dos jovens. Reafirmase o desafio de alterar os gastos públicos para o próximo presidente.