Título: Isolados chegaram a comer barro para sobreviver
Autor: Batista, Henrique Gomes; Rios, Odilon
Fonte: O Globo, 29/06/2010, O País, p. 12

Cerca de 150 pessoas, sendo muitas crianças, ficaram isoladas num vilarejo no interior de Alagoas até ontem

MURICI (AL) e MACEIÓ. Soldados do Corpo de Bombeiros de São Paulo, enviados para auxiliar na busca de vítimas das cheias em Alagoas, resgataram na manhã de ontem cerca de 150 sem-terra, a maioria crianças, isoladas há mais de uma semana em um vilarejo na cidade de Branquinha, um dos 15 municípios do estado em situação de calamidade. A suspeita dos bombeiros é que mais pessoas estejam ilhadas na área rural dos municípios banhados pelos rios Mundaú e Paraíba, região mais afetada pelas enchentes. As buscas serão intensificadas hoje.

- Eles comiam barro para sobreviver. Era um lugar muito, muito pobre, as casas eram de barro e com teto de palha. Acho que só a pobreza e o costume de enfrentar tanta dificuldade explicam a resistência deles - contou o gerente médico do Samu, Maxwell Padilha, que atendeu o grupo, depois do resgate.

Apenas uma mulher precisou de atendimento médico, com hipertensão. O grupo pôde ser resgatado somente por helicóptero, que pousou perto do vilarejo com mantimentos. O aparelho quase afundou na lama ao aterrissar.

Povo tenta reconstruir casas

Com a demora dos governos para estabelecer as regras para a reconstrução de casas para os atingidos pelas enchentes em Alagoas, a população começa a agir por conta própria. E, mais uma vez, reconstroi as casas nos locais onde ocorreu a tragédia. Além disso, muitos voltam para residências parcialmente destruídas e condenadas pela Defesa Civil. Como a chuva continua na região, há mais risco de novos problemas.

- A casa do meu vizinho caiu, e uma parede da minha ficou trincada. Estou preocupado, mas não tenho para onde ir - afirma Romival Soares de Souza, aposentado de 76 anos, morador de Paulo Jacinto, a cerca de 100 quilômetros de Maceió.

Na cidade, alguns moradores estão inclusive refazendo as ligações de energia elétrica que as autoridades ainda não fizeram, pelo risco de choques, curtos-circuitos e incêndios.

- Liguei a minha geladeira e ela voltou. Agora, vou pagar R$40 para um menino que lava e seca os sofás ao mesmo tempo. A televisão é o que sinto mais falta, mas ainda vou esperar para ligar. Não tenho muita ilusão, mas vá que ela volte a funcionar? - conta outra aposentada, Francisca Natalice da Silva.

A situação mais grave é em Quebrangulo, onde as águas do Rio Paraíba destruíram as principais vias. Moradores limpam os restos de suas casas por conta própria, em ruas onde a lama é dominante. Chamava a atenção a obra tocada pelo comerciante Genivaldo Vilela da Silva, de 58 anos, que resolveu reconstruir o mercadinho que possuía na principal esquina de Quebrangulo, e hoje está em ruínas. Para a obra, ele contratou oito homens por R$300 por dia e gastou R$2 mil para os materiais da primeira semana de serviço.

- Dizem que vão transferir a gente, mas sabemos como essas coisas demoram. Não posso ficar seu meu negócio até lá - explica Genivaldo.

O engenheiro Adilson Lessa, da Secretaria Estadual de Infraestrutura de Alagoas, se espantou com a obra:

- Estamos concluindo a avaliação de danos, mas temos dificuldades. Não consigo falar com o prefeito, o único engenheiro da cidade nunca está aqui. Mas é claro que indicaremos que o ideal é refazer as casas em local distante do rio - afirmou.