Título: Um marco na faxina da política
Autor:
Fonte: O Globo, 30/06/2010, Opinião, p. 6

A decisão do Tribunal Regional Eleitoral fluminense de manter a condenação de Anthony e Rosinha Garotinho por abuso de poder econômico nas eleições de 2008 ¿ inclusive com o afastamento de Rosinha da prefeitura de Campos ¿ é um ponto positivo de referência na luta pelo exercício ético da vida pública. E por várias razões. Algumas relacionadas ao que representa o casal Garotinho; e outras ligadas ao estágio da mobilização em que se envolvem diversas organizações da sociedade e a Igreja, cujo importante resultado prático foi, até agora, a aprovação da Lei da Ficha Limpa, uma barreira sanitária essencial para o país entrar em um ciclo de higienização da vida política.

O casal Garotinho exerce práticas típicas do clientelismo e fisiologismo que notabilizavam a velha política do antigo Estado do Rio.

Com a fusão, a capital, onde já havia o chaguismo (Chagas Freitas) em gestação, foi invadida por mais esta corrente da baixa política.

Sem falar, antes do casal, do brizolismo (Leonel Brizola), outro reforço ao populismo.

O retrospecto dos últimos 50 anos, desde a mudança da Capital para Brasília, colocará todos estes personagens em lugar de destaque entre responsáveis por uma série de mazelas encontradas na região metropolitana do Rio: favelização, insegurança, currais eleitorais.

A decisão do TRE, portanto, tem forte simbolismo, ao atingir representantes desta linhagem atrasada da política fluminense.

A condenação do casal funciona como uma espécie de cartão amarelo a tantos quantos usam do poder econômico para trocar assistencialismo por votos, no pior estilo do coronelismo nordestino.

Assim como é possível encontrar níveis de pobreza típicos de regiões as menos desenvolvidas do país em favelas cariocas e fluminenses, aqui também existem políticos que se nivelam ao coronelismo medieval, mantendo eleitores no cabresto de ¿centros sociais¿, onde o acesso a serviços de saúde e educação, por exemplo, é oferecido mediante a apresentação do título eleitoral. São parlamentares nada republicanos, pois não interessa a eles que o Estado, como deve ser, eduque e cuide da saúde da população com eficiência. Para eles, quanto pior o serviço público, melhor.

O caso dos Garotinho não serve para municiar críticos da suposta ¿judicialização¿ da política. Para estes, o Poder Judiciário invade de maneira indevida espaços institucionais do Legislativo e até mesmo do Executivo. Falso. A Justiça apenas cumpre o papel constitucional de mediar conflitos, acionando contrapesos que têm a função de anticorpos, na defesa do estado de direito democrático.

A Justiça pode estar atendendo a legítimos anseios populares por uma grande faxina ética na política. Mas não porque haja multidões pressionando juízes na porta de tribunais, situação inaceitável, condizente com as ¿democracias diretas¿ de pedigree chavista. Sucede apenas que a legislação eleitoral começa a ser reformulada, sem qualquer atropelamento do estado de direito, por meio do Congresso, como estabelece a Carta. Se o rigor seguido pelo TRE-RJ no julgamento do casal Garotinho ¿ de conhecida ¿ficha suja¿ ¿ e o entendimento do TSE sobre alcance da Lei da Ficha Limpa forem adotados pelo Supremo Tribunal Federal, na apreciação dos recursos que serão impetrados por muitos aspirantes a candidato, esta luta pela moralização da política será mesmo um avanço histórico.