Título: Depende da sede
Autor: Vidor, George
Fonte: O Globo, 28/06/2010, Economia, p. 18

O valor de mercado da Petrobras, que em 2002 era da ordem de US$15 bilhões, multiplicou-se por dez desde então. Mesmo com as perdas dos últimos meses, a empresa ainda está valendo mais do que 1/2 ExxonMobil e quase uma Royal Dutch Shell. Dentro de cinco anos, a empresa brasileira terá adicionado 1 milhão de barris equivalentes de óleo e gás em sua produção.

Além disso, vai expandir significativamente sua capacidade de refino (com quatro novas refinarias, pelo menos), renovará a frota mercante, ampliará a malha de dutos, terá presença relevante em outras fontes de energia (eletricidade e biocombustíveis) e retornará ao segmento de fertilizantes.

Por que então o mercado financeiro agora vacila diante das ações da companhia? O que assusta os formadores de opinião no setor não é o desafio tecnológico da Petrobras mas a equação financeira capaz de viabilizar o audacioso programa de investimentos em curso, que já ultrapassou o ponto de não retorno. É um caminho sem volta e só resta à empresa gerenciar, da melhor maneira possível, esse programa.

A Petrobras cresceu muitos nos últimos anos com base na sua geração operacional de caixa, quase sem depender de recursos de terceiros. Daqui para a frente isso não ocorrerá. Acionistas e investidores terão de aportar grande volume de capital na companhia, o que, por si só, já seria um fator de tensão no mercado, pois certamente uma parte desse dinheiro hoje se concentra em operações de bolsa, alimentando a valorização dos títulos.

A nova oferta de ações da Petrobras que está em fase de montagem corre o risco de ser um retumbante fracasso? O que os investidores farão é uma incógnita, tal qual sentença de juiz ou resultado de eleições. Certeza só mesmo no final.

Mas, se a estatal não for com muita sede ao pote, dividindo a chamada de capital em várias etapas, essa possibilidade de fracasso se reduzirá consideravelmente.

O papel cada vez mais importante do agronegócio na economia brasileira levará o país a ficar mais atento à produção de fertilizantes (o Brasil é dependente de importações nesse setor). Mas isso tem aberto também oportunidade para utilização de produtos não convencionais ou suplementares que reduzam a necessidade de fertilizantes tradicionais. É o caso, por exemplo, de uma empresa do Rio que entrou no mercado há três anos com produtos baseados em fósseis da alga marinha lithothamnium. Trata-se de um mineral de origem orgânica que fica depositado em grandes quantidades no fundo do mar. O direito de lavra dessas jazidas, mesmo no oceano, depende de autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral - e de licenciamento do Ibama, obviamente. Os depósitos explorados pela empresa Algarea, no litoral sul do Espírito Santo, se manipulados adequadamente, podem levar milhares de anos para esgotar. O suplemento de algas tem sido usado principalmente por produtores de frutas e legumes (por causa do cálcio e do magnésio), na avicultura como complemento de ração, na mistura do sal mineral para o gado, além de ajudar na criação de camarões. O uso de fósseis de alga marinha na agricultura e na maricultura começou na França, avançou mais na Espanha e ainda engatinha no Brasil (o consumo é maior em estados no Norte e do Nordeste).

A Algarea, instalada no Caju, vizinha ao porto do Rio, tem atracadouro próprio para receber sua matéria-prima. Começou a exportar para a Coreia do Sul e o Japão e espera ter linha de produtos nos segmentos de cosméticos e fármacos.

A inflação deu uma trégua este mês, o que deve atenuar um pouco as pressões para que o Banco Central continue elevando as taxas básicas de juros. Mas a tendência ainda é de alta porque há vários indicadores que reforçam a avaliação de que a economia brasileira estaria crescendo além do seu potencial. A geração de empregos formais é o indicador que mais chama atenção nessa trajetória, com sucessivos recordes.

Embora a alta dos juros básicos seja inevitável, dependendo da dosagem o remédio terá efeitos colaterais negativos. O principal é que atrairá novamente para o jogo financeiro investidores que já tinham se voltado para o financiamento de projetos de infraestrutura.

Outro efeito colateral negativo relevante é o impacto dos juros sobre as finanças públicas. O Tesouro terá de rolar valores crescentes da dúvida pública que sempre embute uma parcela de juros), absorvendo poupanças privadas que poderiam ser carreadas para investimentos produtivos. Além disso, como há linhas de crédito subsidiadas (BNDES, crédito agrícola etc.), quando mais alta é a taxa Selic maior é a conta que o Tesouro precisará cobrir nas instituições federais. Nesse caso, o esforço para redução do déficit público este ano - e no ano que vem - seria anulado. E déficit público é lenha na fogueira da inflação, mesmo que seja financiado por dívidas, e não por emissão de moeda.

Em suma: a política monetária, na atual conjuntura, virou uma batata quente. Uma dosagem de menos na taxa de juros pode abrir espaço para a inflação. Uma dosagem a mais pode acentuar o desequilíbrio nas finanças públicos e inibir investimentos que ajudarão a economia a expandir sua capacidade de produção em um horizonte de dois a três anos.

Uma retificação: na coluna da semana passada mencionei que servidores públicos estatutários se tornam inativos com vencimentos integrais, mas deveria ter frisado que são os vencimentos básicos. As gratificações (que em alguns casos superam os vencimentos básicos) não são computadas integralmente - geralmente são considerados 60% dessa parcela.

Ainda assim, funcionários públicos graduados inativos recebem bem mais que o teto do INSS.