Título: Opção pela atitude que garantirá votos
Autor: Verdini, Liana
Fonte: Correio Braziliense, 24/06/2009, Economia, p. 14

Lula afirma que prefere dar dinheiro aos pobres a reduzir impostos, algo que obrigaria o governo a melhorar a qualidade de seus gastos. Presidente lula inaugura projeto no Porto do Rio: ¿Imagine R$ 100 bilhões na mão de um pobre brasileiro¿

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ontem, tratou como excludentes duas políticas econômicas que podem ser complementares. O motivo principal pode ser eleitoral, ao contrário do que parece à primeira vista (leia análise da notícia). Ele reclamou que os empresários não estão repassando a redução de impostos para os preços dos produtos e defendeu o repasse direto de recursos à população como forma de reativar a economia. Para alguns analistas, Lula está preparando a população para o fim da redução de impostos cobrados sobre carros e eletrodomésticos.

¿Se os pobres tiverem dinheiro e forem comprar, vocês vão ter que produzir. A gente desonera (1) e vocês não repassam para o custo dos produtos¿, disse Lula durante o lançamento do projeto de revitalização do Porto do Rio. ¿Nós já desoneramos neste meu mandato R$ 100 bilhões. Imagine R$ 100 bilhões na mão de um pobre brasileiro. Cada R$ 1 que der na mão de uma pessoa pobre, ele volta automaticamente para o comércio, ele volta para o consumo. Voltando para o consumo, vai reativar a economia. Muitas vezes, você dá R$ 1 milhão para uma pessoa, ela vai botar no banco, que não faz nada e só ele vai ganhar dinheiro.¿

Entretanto, distribuir renda e reduzir impostos não são políticas excludentes, afirmam os economistas. ¿É só lembrar que não há almoço de graça. Neste caso, é preciso saber quem come, quantos comem e quem paga a conta¿, diz Adriano Rebelo Biava, economista da Universidade de São Paulo, especialista em Finanças Públicas. ¿O problema principal é saber se o objetivo do governo é uma intervenção de curto prazo sobre segmentos da economia que têm grande impacto no mercado de trabalho ou se o objetivo é uma atuação de longo prazo no sentido de combater a miséria.¿

Fácil e difícil Para Marcel Solimeo, economista chefe da Associação Comercial de São Paulo, ¿se a intenção for incentivar o consumo de bens essenciais, o governo acerta ao planejar a distribuição de recursos para a população mais pobre. Se for incentivar o consumo de bens com maior valor agregado, está certo desonerar os automóveis e os eletroeletrônicos. Estas, portanto, não são medidas comparáveis, nem excludentes¿. Segundo Solimeo, a política de redução de imposto precisa ser acompanhada de redução de despesas do governo, algo mais difícil de fazer, mas que traria resultados duradouros para o país, sem assistencialismo. ¿Quando o governo gasta, é a sociedade quem paga. E o governo se financia na sociedade emitindo dívida ou produzindo inflação. Para que isso não aconteça, é preciso equilibrar as contas. Portanto, é preciso cortar gastos para reduzir a carga tributária, que é exagerada para o nível de renda no Brasil.¿

Mas, avalia Solimeo, o que se observa nas contas públicas é o aumento dos gastos permanentes (conta de custeio). São gastos com o funcionalismo, por exemplo. ¿Esse crescimento nas despesas pode provocar o desequilíbrio fiscal, o que pode comprometer a política monetária, leia-se a queda dos juros¿, avalia Solimeo. ¿Do jeito que as contas públicas estão hoje, não dá mesmo para cortar impostos¿, conclui.

Miséria reduzida Distribuir renda para a população tem produzido resultados significativos no Brasil nos últimos anos, constata o estudo Miséria e a nova Classe Média na Década da Igualdade, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas. O estudo mostra que, entre 1993 e 2007, houve um aumento de 4% da renda total da parcela da população representada pelos 50% mais pobres.

Considerando apenas os recursos repassados pelos programas sociais a este universo de brasileiros, a renda aumentou 21,7%. Para os 10% mais ricos, a renda total aumentou 1,8% e houve uma queda de 8,3% nos recursos obtidos dos programas sociais. Esta redistribuição de renda repercutiu nos indicadores de miséria do país. O estudo mostra que em 1992, 35,16% da população viviam abaixo da linha da miséria. Em 2007, esta parcela da população caiu para 18,11% vivendo com renda mensal abaixo de R$ 135 por pessoa. Para 2008, a estimativa é que caia ainda mais, baixando para 17,21% dos brasileiros, de acordo com a FGV.

Um dos maiores programas de distribuição de renda no Brasil é o Bolsa Família, que beneficia mais de 11 milhões de famílias em todos os municípios brasileiros com renda mensal inferior a R$ 137 por pessoa. Com um alcance tão significativo, o programa é frequentemente acusado de eleitoreiro.

1 DES0NERAR No economês, significa reduzir impostos. É considerado um dos caminhos para o desenvolvimento duradouro, desde que o setor público tenha gastos equilibrados. Na história recente do Brasil o governo ¿ seja de que partido for ¿ é um tradicional ampliador de gastos e impostos.

Análise da notícia Bolsos e urnas

O desejo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de distribuir recursos diretamente à população mais pobre como forma de estimular a economia parece ser a primeira grande medida visando às eleições do próximo ano. Uma ajuda extra ao Bolsa Família, reconhecido por políticos de todas as tendências como um cabo eleitoral de peso. Mas o fato é que, desde 1980, a renda domiciliar per capita mediana sobe em anos eleitorais. Segundo o estudo Miséria, Desigualdade e Políticas de Renda: O Real do Lula, da Fundação Getulio Vargas, é exatamente o que aconteceu nos anos de 1982, 1986, 1989, 1998, 2002 e 2006. No ano seguinte ao destas eleições, a renda caiu. A análise foi feita em cima da renda mediana pois é o eleitor mediano quem decide uma eleição, explica o estudo.

O mesmo efeito ocorreu com os indicadores de miséria, caindo em todos os anos eleitorais e subindo no ano seguinte ao do pleito. O estudo constata ainda que a renda que mais sobe em período eleitoral é a repassada por programas sociais (22,57%), seguida da renda da previdência (10,51%) e finalmente da renda do trabalho (3,16%).

Uma preocupação que fica com essa intenção do governo é saber se será uma doação única ou se será transformada em um programa.