Título: Bancos: nova fase da intervenção estatal
Autor: Castelar, Armando
Fonte: Correio Braziliense, 24/06/2009, Opinião, p. 17

Os bancos estão no epicentro da crise. O risco de quebra de grandes instituições, a redução da oferta de crédito e o financiamento mais caro às empresas contribuíram decisivamente para a desaceleração econômica global e a queda do investimento observadas no último ano. De fato, em vários países a crise só chegou com toda a intensidade após a quebra da Lehman Brothers e a quase paralisia no mercado financeiro que lhe sobreveio.

Não por outra razão, esse período foi marcado por intensa intervenção estatal no sistema financeiro. As preocupações centrais das autoridades econômicas foram prover o sistema de liquidez, evitar a quebra de grandes instituições e estimular o crédito doméstico. Ainda que, no Brasil, o Banco Central tenha se limitado a irrigar o sistema financeiro, com a redução dos compulsórios e o fomento à compra de carteiras dos pequenos bancos pelos grandes, nos países desenvolvidos esse também se envolveu diretamente no socorro a instituições muito grandes ou muito conectadas e na concessão de crédito, inclusive com a compra de papéis lastreados em hipotecas residenciais e dívidas de empresas. Algumas das maiores instituições globais foram simplesmente estatizadas.

A estratégia de intervenção estatal vem, aparentemente, dando resultado, com as medidas tomadas até aqui evitando uma crise financeira de proporções catastróficas. Paralelamente, nos países mais afetados pela crise os bancos têm conseguido recuperar parcialmente sua rentabilidade, aproveitando-se da queda do custo de captação, da reativação do mercado de capitais e, nos EUA, do grande número de hipotecas refinanciadas. Tudo indica que, com o capital levantado via venda de ativos e novas emissões de ações, esses bancos serão capazes de sustentar-se enquanto absorvem as pesadas perdas resultantes da alta da inadimplência e da desvalorização de seus investimentos.

A percepção de que a situação se normaliza e que a saúde dos grandes bancos não está mais em risco motivou os governos a avançar com a reforma da regulação do setor financeiro. Esse tema já vinha sendo alvo de propostas por grupos diversos, de acadêmicos a comissões oficiais, mas ganhou um novo impulso com a publicação, semana passada, das linhas gerais da proposta do governo Obama para um novo modelo regulatório para os EUA.

A crise e sua dimensão financeira são os pontos de partida de todas as propostas. Reconhece-se, em especial, que havia um conjunto de incentivos errados, da remuneração de executivos à relação entre bancos e agências de classificação de risco; que o sistema estava excessivamente alavancado; que faltava transparência; e que em vários casos não havia um regulador responsável por cuidar da saúde de todo o sistema financeiro.

Os pontos de interseção dessas propostas, portanto, são a identificação de instituições financeiras sistemicamente importantes, que deveriam ser objeto de uma regulação mais intensa; a maior ênfase na regulação macroprudencial, entendida como aquela voltada para a saúde de todo o sistema financeiro, em anteposição à microprudencial, mais orientada para a situação de cada instituição; o aumento de transparência, como exemplificado pela utilização de bolsas de valores para a negociação de contratos derivativos; exigências de capital mais pesadas; uma maior preocupação com a liquidez; e o reconhecimento de que a regulação adotada em cada caso deve se orientar pelo que cada instituição faz, e não pela forma legal como está registrada.

Esses elementos estão presentes na proposta que o presidente Obama enviou ao Congresso, o que é um aspecto positivo a destacar. Por seu lado, a proposta tem sido criticada por não consolidar os vários órgãos federais responsáveis pela regulação financeira nos EUA e por não detalhar várias das medidas. É o caso, por exemplo, da Fannie Mae e Freddie Mac, duas empresas gigantes que atuam no financiamento imobiliário e foram essencialmente estatizadas em 2008, tendo exercido um papel central em estimular a bolha imobiliária no país, para as quais se propõe apenas a realização de estudos.

O governo Obama propõe homogeneizar a regulação financeira internacional, nas linhas ora defendidas para o mercado americano, de forma a impedir que os bancos transfiram suas atividades para jurisdições com regulações mais brandas. Assim, ainda que muito do que ora se propõe já seja realidade no Brasil, por aqui também deve haver mudanças nos próximos anos nessa área.