Título: É um lixo só
Autor: Tahan, Lilian; Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 22/06/2009, Poítica, p. 2

Governo dá mau exemplo e não se preocupa com a reciclagem, apesar de gastar R$ 220 milhões este ano para divulgar a causa ecológica. Mulher separa papéis, garrafas de plástico e latas no lixão do Centro Cultural do Banco do Brasil, perto de onde despacha o presidente Lula

Verde para vidro. Vermelho vai o plástico. No amarelo, o metal. O arco-íris do lixo ecologicamente correto é ignorado nas barbas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As faixas coloridas dos contêineres estacionados em frente à sede provisória do poder no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB) são decorativas. As moscas, abelhas e pombos que circundam os restos da burocracia denunciam a mistura de comida com vidro, plástico, metal, apesar de uma resolução federal obrigar o poder público a separar os resíduos e de o governo gastar milhões de reais para divulgar os benefícios da coleta seletiva.

As caçambas que guardam os restos do que se produz pelo mais alto escalão provam que o governo não se preocupa em cumprir a lei ou mesmo em dar o exemplo. Torra muito dinheiro com o argumento de divulgar as vantagens da reciclagem do lixo ¿ estão previstos R$ 220 milhões para a causa em 2009 , mas é incapaz do básico: separar os resíduos secos dos molhados. A resolução 275 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, de abril de 2001, obriga os órgãos públicos a fazer a classificação dos detritos por um cardápio de cores.

Uma amostra do que o governo joga fora é depositada a céu aberto e sem controle do poder público a apenas dois quilômetros da Esplanada dos Ministérios, num terreno vizinho ao CCBB. No lugar, pelo menos oito famílias sobrevivem das sobras do poder. Catam, separam, vendem e consomem o que dá para ser aproveitado dos restos oficiais. No lixão, os catadores recolhem por mês quatro toneladas de papel, quase tudo de contêineres dos ministérios e do Congresso. Comem e dormem a alguns passos das pilhas de sujeira.

Nas últimas duas semanas, a reportagem do Correio vasculhou as caçambas de lixo de Esplanada e constatou que produtos recicláveis são armazenados junto a restos de comida, bebida, papel higiênico, mistura que contamina e compromete o reaproveitamento do material. Nem mesmo no CCBB há o hábito de separar o lixo seco do molhado. Na caçamba do vidro tinha quase tudo, menos vidro. Casca de banana, gomos de laranja, mamão, copos plásticos, papel higiênico, caixas de sucos, embalagens marmitex, grãos de arroz, assim como relatórios, pareceres, entre eles um borrado de café sobre saneamento em áreas indígenas do Brasil preparado pela Fundação Nacional Saúde (Funasa).

Dentro das latas de lixo dos ministérios também estão depositados um pouco da história do Brasil e até de cultura. Entre os restos da Esplanada, estão obras raras da literatura ou documentos oficiais com décadas de existência. Um relatório histórico enterrado em uma montanha de sobras expõe um compromisso de governo que nunca foi cumprido na íntegra. Trata-se de um plano datilografado de 16 páginas onde a então ministra da Ação Social Margarida Procópio propõe ao colega do Trabalho Antônio Rogério Magri a construção de habitações populares para resolver o problema da falta de moradia. Dezenove anos depois de redigido, o documento estava entre a papelada revirada por catadores que dormem debaixo de lona.

O documento chegou ao lixo em uma caixa com centenas de papéis com data de 1990, mas que se juntaram a documentos atuais, como um laudo médico pericial que só à Justiça e ao paciente interessam saber. O destinatário era a 26ª Vara Federal, mas acabou no lixão próximo ao CCBB. Mas nem só de produção oficial vive a burocracia. Entre a papelada rejeitada, uma parte é de apontamentos pessoais, pesquisas da internet e até de documentos falsificados. Exemplo catado em meio às pilhas de relatório: uma ficha de filiação do Partido dos Trabalhadores (PT). Entre as opções para o campo profissão: desempregado, traficante, sem-teto, trombadinha, trombadão, invasor, agitador ou indigente.

No lixo do Ministério da Fazenda uma lauda exibe pedido de orçamento para a compra de seis equipamentos, entre eles uma ¿fragmentadora de papel¿. O curioso é que o papel foi achado em meio a folhas de um processo administrativo sobre crime cambial em perfeito estado de conservação. Segundo o Código Penal, esse tipo de documento deve ser mantido em sigilo por tratar de questões financeiras. O descuido não é só na Fazenda. A montanha de lixo do CCBB tem documentos intactos de praticamente todos os endereços da Esplanada. Inclusive contratos originais. Entre os quais o que permiteempréstimos consignados de servidores públicos do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF).

Para saber mais Resolução do Conama

Decisão do Conselho Nacional do meio Ambiente de 25 de abril de 2001 criou um código de cores para diferenciar o lixo. Os símbolos foram pensados para orientar o trabalho dos serviços públicos de limpeza urbana, além da atividade de catadores. O objetivo principal da iniciativa é facilitar a reciclagem de materiais. A resolução 275 do Conama obrigou os órgãos públicos a fazer a classificação dos detritos por cores e recomendou que cooperativas, escolas, igrejas, organizações não-governamentais, além da iniciativa privada adotassem o mesmo procedimento. Confira como o lixo deve ser armazenado segundo o padrão de cores:

Azul: papel, papelão Vermelho: plástico Verde: vidro Amarelo: metal Preto: madeira Laranja: resíduos perigosos Branco: material de laboratório e dos serviços de saúde Roxo: lixo radioativo Marrom: detrito orgânico, como restos de comida e bebida Cinza: resíduo não reciclável, misturado, contaminado e que não pode ser separado