Título: Ambição e Perdição
Autor: Stemmer, Juan Uribe
Fonte: O Globo, 07/07/2010, Opinião, p. 7

Oque sucede com a pesca do atum é uma demonstração prática da ¿tragédia dos bens comuns¿: o egoísmo do ser humano o leva a cuidar zelosamente do que lhe pertence e a descuidar dos bens que são parte do patrimônio geral. Que são de todos. O caso das espécies de atum que recorrem os oceanos é um bom exemplo.

Os atuns, grandes navegantes dos mares, são espécies altamente migratórias. Por exemplo, o atum-de-aleta-azul do Oceano Atlântico austral vive uns 20 anos e começa a se reproduzir entre sete e nove anos. Um exemplar adulto pode medir quase dois metros e pesar uns 200 quilos. São grandes nadadores: alcançam velocidades de até 70 quilômetros durante suas prolongadas migrações de milhares de quilômetros.

Estes magníficos animais, para sua desgraça, têm uma grande demanda. No Japão, por exemplo, o atum é considerado como uma iguaria, e os exemplares que satisfazem as altas exigências de qualidade alcançam preços astronômicos. Resultado: as capturas aumentaram de 6 milhões de toneladas anuais, em 1950, para 9,5 milhões.

Esse aumento se deve à combinação de duas tendências. A primeira é quantitativa: a expansão das frotas pesqueiras das nações marítimas tradicionais e as dos países em vias de desenvolvimento. A segunda é qualitativa: o desenvolvimento tecnológico na construção e equipamento dos barcos de pesca. A pressão da pesca sobre as espécies de atum de maior importância comercial não para de crescer. O aumento da eficiência dos pesqueiros, até certo ponto, oculta o fato de que a quantidade de exemplares de atum diminui constantemente.

A queda da biomassa de algumas espécies é alarmante. A ONU/FAO estima que existem espécies de atum tão superexploradas que suas pescarias se deteriorarão no futuro próximo se não se reduzir imediatamente o número de barcos pesqueiros (este seria o caso, por exemplo, do atum-de-aleta-azul boreal). Uma capacidade de pesca crescente persegue implacavelmente uma biomassa decrescente.

Em tese, isto não deveria acontecer. Dos atuns se ocupam três convenções multilaterais e uma regional, além da legislação dos países costeiros ¿ incluídos por seu ciclo migratório ¿ e a dos países da bandeira dos barcos de pesca. Os tratados regionais são acordos para a conservação dos atuns em determinadas regiões.

No entanto, toda essa diplomacia, todo esse papel e tinta não conseguem estabelecer, nem aplicar eficazmente, regras que assegurem o desenvolvimento sustentável da pesca de tipos de atuns mais ameaçados. Uma vez mais, é a irracionalidade da razão. O caso da sobrepesca do atum demonstra como a ambição humana pode ser sua perdição.

JUAN ORIBE STEMMER é jornalista