Título: A corrupção e a censura
Autor: Mon, Hugo Alconada
Fonte: O Globo, 05/07/2010, O Mundo, p. 21

Não somente um ex-embaixador em Caracas denunciou formalmente no governo a existência de uma diplomacia paralela com a Venezuela. Não somente houve, e há, uma embaixada paralela com o país de Hugo Chávez, mas também uma Chancelaria paralela. As revelações sobre a estranha relação com a Venezuela, que se esquivou sempre de todas as instâncias formais e institucionais argentinas, transtornaram nos últimos dias a hierarquia governante.

As novas revelações - e as que eventualmente virão - poderiam ser letais para o futuro político dos Kirchner. Isso explica também por que o depoimento do ex-embaixador em Caracas Eduardo Sadous numa CPI tenha provocado um combate próprio a uma final de guerra.

Sadous comentou com coragem o que ouvira, mas carece de provas concretas. Foi o governo que - ao errar na mão na reação - transformou o diplomata num herói da honestidade em amplos núcleos sociais do antikirchnerismo. O problema agora é que um subsecretário da Chancelaria, Eduardo Sigal, um funcionário político de indubitável proximidade com o kirchnerismo, escreveu memorandos internos com advertências semelhantes às de Sadous. Sigal nunca se desencantou com os Kirchner e sua história política pessoal o levou sempre a compreender com mais generosidade o regime de Chávez. Mas é um homem decente.

Kirchner tem agora o ânimo de um boxeador contra as cordas. Apesar das aparências que o kirchnerismo constrói com habilidade, o certo é que o oficialismo ingressou num período de debilidade institucional. Os escândalos por suposta insensibilidade moral se juntam aos avanços do Congresso para tirar do Executivo as enormes margens de discricionariedade com que a Casa Rosada governou.

Duas decisões recentes do Parlamento têm especial importância para limitar a arbitrariedade. Uma delas é a decisão unânime dos opositores de negar-lhes a prorrogação das faculdades delegadas pelo Congresso ao Executivo, que vencerão no final do mês, sem possibilidade de moratória. A outra decisão foi a constituição de uma comissão sobre a ex-Side, a espionagem especial que funciona a serviço exclusivo do casal governante. Nas últimas semanas, altos funcionários da ex-Side trabalharam intensamente na busca de pistas para culpar os proprietários privados da Papel Prensa, a maior fabricante de papel-jornal argentina. A estratégia tem matizes claramente kirchneristas: pressionar os jornais para que as coisas obscuras dos governantes continuem existindo, protegidas pelas trevas da censura.

JOAQUÍN MORALES SOLÁ é colunista do "La Nación", do Grupo de Diarios América (GDA)