Título: Documento comprometedor
Autor: Mon, Hugo Alconada
Fonte: O Globo, 05/07/2010, O Mundo, p. 21

Subsecretário cita gestões não oficiais de favorecimento a empresas argentinas na Venezuela

Oministro do Planejamento da Argentina, Julio De Vido, e seu círculo de colaboradores mais próximos mantêm ativa uma espécie de "embaixada paralela" na Venezuela. A denúncia foi feita há menos de dez dias pela própria Chancelaria argentina, em um memorando confidencial ao qual o jornal "La Nación" teve acesso, através de uma cópia do documento.

Longe de se encerrarem com a queda de Claudio Uberti em 2007, essas gestões paralelas foram denunciadas ao chanceler Héctor Timerman. O ministro foi informado sobre os problemas por que passam empresas argentinas graças à atuação irregular de outro colaborador de De Vido, seu ex-secretário particular José María Olazagasti, apelidado de El Vasco.

O alerta diplomático, emitido no dia 25 de junho, informava que Olazagasti, que atualmente ocupa o cargo de chefe de cerimonial do Ministério do Planejamento, excluiu pelo menos duas empresas de seu país, enquanto privilegiava firmas com as quais seu ministério mantém boas relações - entre elas, a Electroingeniaría, com sede em Córdoba, que mantém excelente trânsito na Casa Rosada.

O autor do memorando é o sub-secretário de Integração Econômica e do Mercosul, Eduardo Sigal. Afinado com as ideias políticas dos Kirchner e um dos funcionários mais importantes da Chancelaria, Sigal denunciou a seus superiores a atuação do assistente de Julio De Vido na capital da Venezuela.

"A exclusão das empresas argentinas foi decidida numa reunião paralela organizada pelo senhor José María Olazagasti, da qual haviam participado apenas as empresas que aparecem como signatárias do mencionado programa", diz a mensagem.

Sigal enviou a denúncia a seu superior direto, o secretário de Relações Econômicas Alfredo Chiarardia e ao superior deste, o chanceler Timerman, que se encontrava em uma visita ao Canadá com a presidente argentina, Cristina Kirchner.

Um dia depois de Sigal emitir seu alerta, Timerman redobrou suas críticas à imprensa por investigar as gestões paralelas da equipe de De Vido. O chanceler também acusou os jornalistas de mentirem. Este novo atrito tem suas raízes em abril, durante as reuniões da Comissão Binacional de Alto Nível (Coban) em Caracas, das quais participaram funcionários, diplomatas e técnicos argentinos e venezuelanos.

Sigal: conclusão foi distorcida

De acordo com a denúncia, Olazagasti cumpriria as mesmas tarefas antes levadas a cabo pelo titular do Órgão de Controle das Concessões Viárias (Occovi), Claudio Uberti. Apelidado por empresários argentinos e venezuelanos de "embaixador das sombras", Uberti permaneceu na Venezuela até agosto de 2007, quando deixou o governo por conta do célebre escândalo da valise de dinheiro, durante a campanha eleitoral que levou Cristina Kirchner à Presidência da Argentina.

As empresas prejudicadas pela operação paralela de Olazagasti, de acordo com mensagem enviada por Sigal a seus superiores, foram duas: Hidro-Grubert, produtora de gruas e elevatórias hidráulicas, e EMA S.A., produtora de equipamentos eletro-mecânicos. Procurados pelo "La Nación", os representantes das duas empresas se recusaram a fazer comentários, bem como Sigal.

Sabe-se, porém, que ambas haviam se negado a participar da "operação" montada pelo Ministério do Planejamento. Em março, elas tentaram obter a homologação de seus produtos junto à Corporação Elétrica Nacional da Venezuela (Corpoelec). A princípio, a estratégia pareceu dar certo. Mas só a princípio. De acordo com o memorando da Chancelaria, "as empresas argentinas mencionadas não foram convocadas a participar do referido programa de trabalho, embora fizessem parte da delegação de empresários argentinos presentes às reuniões" da Coban. Ou seja, porque Olazagasti convocou uma reunião paralela.

A exclusão da Hidro-Grubert e da EMA criou uma espécie de encruzilhada: o memorando afirma que a Chancelaria precisou pedir ao governo venezuelano para desfazer a jogada de Olazagasti.

"Para a Subie (a Subsecretaria de Integração Econômica, dirigida por Sigal), a convocação de empresas nacionais com capacidade exportadora e de fixação industrial neste país deve ser a mais ampla e representativa possível", diz a mensagem. "Assim foi comunicado ao ministro do Poder Popular para Energia da República Bolivariana da Venezuela".

Em entrevista a uma emissora de rádio ontem, Sigal admitiu ter enviado o memorando, mas criticou sua publicação pelo "La Nación", que, segundo ele, teria a intenção de atacar o governo e mascarar a realidade. Na entrevista ele afirmou que, com seu memorando, pretendia defender que as empresas argentinas com condições de atuar no exterior recebam ajuda do governo. Sigal alegou que ao escrever operação "paralela" no memorando não queria dizer "clandestina". E atacou a divulgação do documento, argumentando que "há comunicados oficiais que não deveriam estar diante da opinião pública para não prejudicar a Argentina e os trabalhadores argentinos".

- Tirar a conclusão de que há uma Chancelaria paralela ou uma diplomacia paralela é tentar transformar em fato político algo que não tem nada a ver com a realidade.

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