Título: Eficácia na manipulãção
Autor: Trambaioli, Maurício
Fonte: O Globo, 03/07/2010, Opinião, p. 7

Arecente demissão em larga escala de farmacêuticos por uma rede de farmácias no Estado do Rio de Janeiro suscitou não apenas questões salariais, mas também evocou a essencialidade deste profissional e sua importância na garantia de qualidade, eficácia e segurança de medicamentos industrializados ¿ vendidos em drogarias e farmácias ¿ assim como medicamentos de farmácias de manipulação (magistrais).

Em 1995 foi estabelecido um marco regulatório pela Vigilância Sanitária: a implementação de normas de fabricação (BPF) de medicamentos em indústria. Em 1998, surgiu para o setor farmacêutico brasileiro uma outra grande inovação: as BPF em farmácias de manipulação, no mesmo ano que surgia a primeira regulamentação do setor magistral dos Estados Unidos. Diversas revisões se seguiram às BPF em indústrias e manipulação até hoje, mas existem diferenças marcantes entre elas inerentes às atividades de cada setor. Mesmo com essas regulamentações em sintonia com os avanços da área, existe um aspecto em destaque a ser discutido: a garantia da eficácia terapêutica.

Uma nova substância, para ter seu uso autorizado, precisa ser testada quanto à sua atividade (eficácia) e risco (segurança). Entretanto, por melhor que seja o fármaco, sua eficácia e segurança são também dependentes da forma do medicamento em si: comprimido, loção, creme etc. Dependem também dos outros componentes do medicamento, os excipientes, que podem afetar a chegada do princípio no tempo e dose certos. A escolha inapropriada tanto da forma farmacêutica quanto dos excipientes pode pôr em risco tanto a eficácia quanto a segurança .

Para os medicamentos industrializados existirem é necessário registrá-lo na Vigilância Sanitária, onde são apresentados dados clínicos realizados com o produto com centenas de pacientes com um medicamento. E qualquer alteração no medicamento torna necessário registrá-lo novamente, com novos dados clínicos que comprovem sua eficácia e sua segurança.

A farmácia magistral tem a flexibilidade de desenvolver medicamentos com a formulação que for desejada. Isso garante à medicina acesso a medicamentos com quantidades de compostos com dosagens variadas em diversas formas, atendendo a necessidades específicas, o que é inviável em escala industrial. Essa é a razão primordial da existência das farmácias de manipulação.

Por outro lado, existe uma importante limitação nos medicamentos magistrais, que está em atrelar a formulação a provas de efetividade terapêutica e segurança. Enquanto são exigidos ensaios clínicos para medicamentos industriais, os medicamentos magistrais não possuem essa exigência. As farmácias magistrais podem formular um determinado princípio ativo na presença de excipientes na concentração e na composição desejadas, sem compromisso de estudos clínicos com aquele medicamento, e portanto sem necessidade de comprovação prévia de efetividade terapêutica. Isto é assim tanto no Brasil quanto no exterior.

O paciente, ao fazer uso de um medicamento, tem por pressuposto que está recebendo um produto que deverá funcionar segundo critérios de qualidade, segurança e eficácia estabelecidos. Existem relatos mundiais, inclusive no Brasil, de casos em que medicamentos apresentaram problema de segurança e eficácia, tanto para medicamentos industrializados quanto magistrais.

Para medicamentos industrializados os problemas costumam estar relacionados a falhas nas BPF ou na qualidade dos seus ingredientes. Para medicamentos manipulados, desvios de qualidade poderiam estar também relacionados a falhas nas BPF, nos insumos e, neste caso, ainda na própria formulação, uma vez que não passa por testes clínicos. Como poderia ser, portanto, acrescidas garantia de segurança e eficácia aos produtos magistrais?

Uma solução é fazer um monitoramento intensivo do produto comercializado, obtendo retorno de todos os pacientes que fizerem uso. Basta um telefonema para cada paciente após certo tempo de uso do medicamento, consultando-o sobre seu estado de saúde. A reunião dessas informações num banco de dados da própria farmácia de manipulação, e eventualmente num sistema nacional de farmacovigilância magistral disponível publicamente, traria enormes benefícios.

MAURÍCIO TRAMBAIOLI é professor da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.