Título: Pagando caro pelo gás
Autor: Nogueira, Danielle
Fonte: O Globo, 03/07/2010, Economia, p. 27

Investimentos da Petrobras fazem consumidor do Rio desembolsar até 37% mais que o de SP

Oconsumidor do Rio está pagando mais que o paulista pelo gás canalizado. Simulações feitas pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Rio mostram que o cliente residencial da CEG - distribuidora que atende a Região Metropolitana do Rio - desembolsa 36,9% mais que o morador de São Paulo, atendido pela Comgás. Para clientes industriais, a diferença varia de 25% a 29,2%, dependendo do porte da empresa. De acordo com a secretaria, a disparidade se deve ao fato de que a Petrobras - fornecedora do gás para as distribuidoras - vem elevando o preço do produto nacional nos últimos anos, para remunerar seus investimentos. O gás brasileiro é o que abastece o Estado do Rio. Já o mercado paulista tem 75% de sua demanda suprida pelo gás importado da Bolívia, de custo menor.

Nos cálculos da secretaria, uma família de quatro pessoas que mora no Rio e consumiu 25 metros cúbicos de gás em junho (consumo padrão para quem tem um fogão e um aquecedor) pagou R$100 no fim do mês. O valor é 36,9% superior ao que pagaria se morasse em São Paulo (R$73). Já um fabricante de vidro do Rio que consumiu dois milhões de metros cúbicos mês passado desembolsou R$2 milhões, 25% mais que o R$1,6 milhão que pagaria à Comgás. No preço final ao consumidor são incluídos margem das distribuidoras e tributos. A CEG informou que o custo do gás representa 64% do seu preço final. A Comgás não revelou seu cálculo de preço.

Petrobras atribui diferença a câmbio

Por trás dessa diferença está o valor cobrado pela Petrobras do gás fornecido às distribuidoras. Em junho, o preço do gás nacional, vendido à CEG, foi de US$10,04 por milhão de BTUs (medida usada como referência no mercado). Já o gás boliviano, também fornecido pela Petrobras, estava em US$7,42 por milhão de BTUs, 35% mais que o produzido no Brasil.

- O consumidor está pagando pelos investimentos feitos pela Petrobras. E boa parte deles foi feita para atender às térmicas, que pagam um preço fixo pelo gás acertado nos leilões da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). As empresas estão perdendo competitividade - afirma o secretário de Desenvolvimento do Rio, Júlio Bueno.

Ele sugere que o preço de gás seja regulado e que parte do custo dos investimentos da Petrobras seja transferida aos derivados de petróleo. Isso porque, no Brasil, o gás se encontra associado ao petróleo. Ou seja, um não pode ser extraído sem o outro.

A estatal alega que os investimentos em infraestrutura de gás natural - R$46 bilhões entre 2007 e 2010 - foram feitos para atender a todos os clientes, térmicas ou não.

- Os investimentos foram realizados para dar flexibilidade e diversidade de fontes de suprimento para atender a todos os clientes da Petrobras - afirmou Graça Foster, diretora de Gás e Energia da Petrobras, por email.

Ela explica ainda que outra parte se deve ao comportamento do câmbio, ao real valorizado:

- As variações entre os preços do gás nacional e boliviano não têm relação com amortização de investimentos. Elas decorrem principalmente do câmbio, dado que o gás boliviano é totalmente em dólar e o gás nacional tem um componente em real (a parcela fixa). Quando o real se valoriza, o preço do gás boliviano recua em comparação com o gás nacional.

Para Sauer, houve "erro político"

No entanto, entre maio de 2008, quando o preço do gás nacional começou a subir mais sensivelmente, e junho deste ano, o real acumula desvalorização próxima a 8%. No mesmo período, a parcela fixa do preço do gás nacional - a que remunera os investimentos - passou de US$0,52 a US$3,01, um salto de 478%, segundo a Secretaria de Desenvolvimento do Rio. A parcela fixa do gás boliviano, por sua vez, teve leve aumento de 1,1%. Em 2008 começaram a vigorar os novos contratos assinados entre Petrobras e a CEG, após o apagão de gás em 2007.

Para Ildo Sauer, ex-diretor de Gás e Energia da Petrobras, uma das razões para a diferença de preços tem de fato relação com os investimentos da Petrobras. Foi sob sua gestão que a empresa lançou o Plangás, em maio de 2006, que visava a ampliar a produção nacional, reduzindo a dependência do gás boliviano - as reservas da Bolívia foram nacionalizadas naquele mês. O plano também previa interligar a malha de gasodutos, para assegurar o suprimento das térmicas e, assim, garantir estabilidade do sistema elétrico.

- A decisão de ampliar a produção de gás foi motivada por um pavor de um novo apagão e orquestrada pela ex-ministra da Casa Civil - disse Sauer, em referência à atual candidata do PT à presidência, Dilma Rousseff. - O problema é que esses investimentos foram feitos em um momento em que o preço do aço (para as instalações de gasodutos) estava alto, um erro político.

O professor frisa, porém, que o preço do gás brasileiro seria maior que o do boliviano independentemente de pressões políticas, pois o gasoduto Brasil-Bolívia é dos anos 90. A amortização dos investimentos, portanto, já vem ocorrendo há algum tempo.

Lucien Belmonte, superintendente da Abividro, que reúne os fabricantes do setor, diz que o preço do gás responde por 25% a 30% dos custos, o que levou a indústria a fazer reajustes nos últimos anos. Ele alerta:

- Não cabe uma briga entre Rio e São Paulo. O Brasil perde competitividade porque o preço do gás no exterior é menor.