Título: Com passagem só de ida para a Espanha
Autor: Azevedo, Cristina
Fonte: O Globo, 09/07/2010, O Mundo, p. 30

Presos serão exilados e Fariñas suspende greve de fome após 135 dias

Às 12h20m de ontem, a cubana Moralinda Paneque recebeu uma ligação do filho, com a notícia que mais aguardava desde a prisão de José Luis García Paneque, em 18 de março de 2003: o jornalista está na lista dos cinco presos políticos que serão libertados e enviados à Espanha. Ele, assim como Antonio Augusto Villareal Acosta, Luis Milán Fernández, Léster González e Pablo Pacheco Ávila foram informados ontem de que eram os cinco citados num acordo fechado na véspera entre o governo cubano, a Arquidiocese de Havana e o chanceler espanhol, Miguel Ángel Moratinos, e que deverá expatriá-los. Mais seis foram informados de que serão transferidos para prisões em suas províncias.

- Estou contente e nervosa. Não me importa que tenha que deixar o país. Estará melhor lá fora do que aqui - contou Moralinda ao GLOBO.

Desde que soube do acordo, Moralinda acalentava a esperança de que García estivesse no primeiro grupo a ser liberado dos 52 presos restantes da Primavera Negra. Junto com Villareal, ele é um dos detidos cujo estado de saúde está mais debilitado: sofre de má absorção intestinal e está pesando apenas 49 quilos. Já Villareal, um contador que foi preso um dia depois de García, tem problema de nervos e quase enlouqueceu na penitenciária.

Se o destino destes cinco parece traçado, há versões desencontradas sobre os demais. Moratinos afirma que todos terão de viajar à Espanha, mesmo que depois escolham viver em outro país. Para regressar a Cuba necessitariam de uma autorização especial. Mas de acordo com o cardeal Jaime Ortega, os presos só deixarão Cuba "se quiserem".

Presidente de ONG critica desterro

O governo cubano não se manifestou, com os jornais "Granma" e "Juventud Rebelde" se limitando a publicar a nota da arquidiocese.

- Ainda não sabemos se terão de deixar o país, mas seria terrível trocar a prisão pelo desterro - disse, por telefone, Elizardo Sánchez, presidente da ONG cubana Comissão de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional.

Elizardo acredita que somente a libertação desses presos não é suficiente para melhorar os direitos humanos na ilha. Ele lembra que há mais 113 dissidentes detidos.

- Não creio que o governo vá muito além disso - disse.

A notícia levou Guillermo Fariñas a suspender a greve de fome e sede que realizava desde fevereiro pela libertação dos presos doentes. Apesar disso, seu estado de saúde continua crítico: ele não pode fazer movimentos bruscos ou caminhar, para não desprender um coágulo. A greve de Fariñas e a crise econômica na ilha foram dois dos motivos que teriam levado o governo à decisão, em busca de maior diálogo com o exterior. Ontem, detalhes dos bastidores da negociação surgiam.

O encontro entre o presidente Raúl Castro, Moratinos, o cardeal e o chanceler cubano, Bruno Rodríguez, durou mais de seis horas. A libertação, que começara a se delinear numa reunião de Ortega e Raúl em maio, ganhou velocidade em 10 de junho, conta o jornal "El País", quando Moratinos e Rodríguez discutiram o assunto em Paris. No mesmo dia, Moratinos foi ao Vaticano, que respaldou a mediação da Arquidiocese de Havana. Conversas com o premier Silvio Berlusconi, em Roma, acertaram que Espanha e Itália abrigariam alguns dos opositores liberados.