Título: Um sopro de bom senso em Cuba
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Fonte: O Globo, 09/07/2010, Opinião, p. 6
Finalmente algo se moveu na direção certa em Cuba. Após gestões da Igreja Católica e da diplomacia espanhola, o regime castrista concordou em libertar os 52 prisioneiros políticos que restam dos 75 detidos na chamada Primavera Negra, em 2003. Naquela ocasião, Havana prendeu ativistas e jornalistas sob a acusação de atuarem como "mercenários" a serviço dos EUA. Alguns cumpriram suas sentenças, outros foram soltos. Agora, cinco serão libertados de imediato e seguirão para a Espanha com as famílias. Os demais devem sair em até quatro meses.
A vitória obtida pela Igreja Católica e pelo chanceler espanhol Miguel Ángel Moratinos junto ao governo cubano deve merecer um gesto de boa vontade dos Estados Unidos, o que ajudaria o clima de distensão e poderia incentivar o regime cubano a dar o próximo passo. Quando assumiu, o presidente Obama acenou a Cuba e adotou algumas medidas liberalizantes na relação bilateral. Obviamente, condicionou gestos mais amplos e concretos a medidas de redemocratização na ilha, que não ocorreram.
A pressão da comunidade internacional sobre a ditadura cubana, para libertar presos de consciência e respeitar os direitos humanos, se acentuou nos últimos cinco meses, desde a morte de Orlando Zapata Tamayo, dissidente então há 85 dias em greve de fome como protesto contra as más condições na prisão. A situação se tornou mais tensa nas últimas semanas, quando se agravou a saúde de outro preso, Guillermo Fariñas. Ontem, depois do anúncio do acordo sobre os prisioneiros políticos, ele suspendeu a greve de fome que cumpria desde 25 de fevereiro.
A Igreja Católica cubana tem tido importante atuação nos últimos meses na tentativa obter moderação das autoridades. O arcebispo de Havana, cardeal Jaime Ortega, conseguira recentemente que o governo levantasse a proibição para que as Damas de Branco, mulheres de presos políticos, realizassem sua habitual marcha pelas ruas da capital. O governo concordou também em transferir prisioneiros políticos para presídios mais próximos de suas famílias.
O chanceler Moratinos trabalha para melhorar as relações entre Cuba e a União Europeia há pelo menos dois anos. Seu objetivo é que a UE suspenda a posição comum adotada em 1996 de congelar as relações com a ilha enquanto o regime não respeitar os direitos humanos. Cuba precisa desesperadamente dos investimentos europeus.
Apesar de todos os problemas econômicos e sociais em Cuba, é engano achar que a ditadura castrista cederá terreno sem pressão externa. Diante do agravamento da saúde do preso Fariñas, Moratinos desembarcou em Havana e obteve, juntamente com o cardeal Ortega, o compromisso de Raúl Castro de soltar os 52 prisioneiros.
Em fevereiro, Orlando Zapata morreu, por coincidência, no dia da chegada à capital cubana do presidente Lula, em visita oficial. Mas todos os seus gestos e palavras então foram de apoio à ditadura cubana e de condenação aos dissidentes. Com isso, ficou demonstrada a miopia da atual política externa brasileira, incapaz de agir em consonância com a comunidade internacional quando a questão envolve um compañero.