Título: Demografia e miséria se entrelaçam
Autor:
Fonte: O Globo, 15/07/2010, Opinião, p. 6

A extrema pobreza poderá desaparecer das estatísticas econômicas e sociais brasileiras em um horizonte que pode levar de seis a doze anos, dependendo da metodologia utilizada para essa projeção. É de fato uma perspectiva alvissareira e condiz com a trajetória de desenvolvimento que o país poderá trilhar nos próximos anos, se não cair na tentação de buscar desvios que, em vez de significar um atalho para encurtar o caminho, nos levem de volta ao ponto de partida.

A redução progressiva da pobreza e da miséria - segundo análise do Ipea, órgão de estudos e pesquisas do governo federal, quase 13 milhões de brasileiros cruzaram a linha da pobreza absoluta de 1995 a 2008 - se deve certamente à conjugação de uma série de fatores, entre os quais se destaca a pavimentação das condições para que o Brasil recuperasse a capacidade de crescer.

Os indicadores sociais sem dúvida não teriam evoluído se o país permanecesse atolado em ambiente de inflação aguda, desorganização das finanças públicas, dívidas não equacionadas no exterior etc.

Depois do lançamento do real, o desequilíbrio fiscal do setor público ficou bem evidente. Desde então, várias iniciativas foram tomadas para pôr ordem na casa, não sem grande sacrifício por parte de toda a população, que passou a suportar uma carga tributária muito elevada. No entanto, essa reorganização das finanças públicas permitiu que programas estruturais de combate à pobreza se tornassem viáveis, entre os quais os relacionados à educação (primeiro, com a universalização do ensino fundamental, e a seguir os que têm propiciado a expansão da chamada educação infantil, pré-escolar, e dos cursos de nível técnico-profissionalizante).

As análises sobre redução da miséria e da pobreza praticamente desconsideram outro fator muito relevante, que é o bônus demográfico. O declínio da taxa de aumento populacional começou a ter reflexos positivos nos indicadores sociais, até porque a conceituação de miséria e pobreza absoluta se dá pela renda per capita familiar mensal. Assim como houve incremento no numerador (renda familiar), ocorreu uma redução no denominador (número de pessoas na família).

Pela avaliação do Ipea, fica evidente que a miséria poderá desaparecer mais rapidamente em regiões do país nas quais a conjugação dos fatores educação e bônus demográfico é mais forte.

Nos estados do Norte e do Nordeste também foram observados avanços significativos, mas as duas regiões se manterão ainda com altos índices de pobreza absoluta em 2016, pelas projeções do Ipea (27,9% e 18,6%), pois a ênfase dos programas sociais vem sendo mais calcada na transferência de renda (Bolsa Família) do que em mudanças estruturais voltadas para o desenvolvimento sustentado.

Os números mostram claramente o caminho que se deve seguir para o Brasil chegar ao fim da próxima década com um perfil menos desigual, socialmente mais justo.