Título: Se chicotada resolvesse, não tinha corrupção
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 15/07/2010, O País, p. 14
Afirmação de Lula, que disse ainda que "beliscão dói para cacete", foi na assinatura de projeto de punição de maltrato a filhos
BRASÍLIA. Na cerimônia em que assinou ontem o projeto que pune pais que maltratam fisicamente os filhos, o presidente Lula afirmou que, se chicotada resolvesse o problema, não haveria corrupção no país. Para o presidente, quem não trata bem seus filhos em casa não será um bom governante, pois não saberá lidar com os filhos "adotados eleitoralmente". Lula disse que conservadores reagirão à proposta. O projeto foi enviado ao Congresso ontem mesmo.
- Vai ter muita gente reacionária neste país que vai dizer: "Estão querendo impedir que a mãe eduque o filho. Estão querendo impedir que a mãe pegue um chinelinho e dê um tapinha na bunda da criança". Ninguém quer proibir o pai de ser pai ou a mãe de ser mãe. O que dizemos é que é possível fazer a coisa diferente. Se punição e chicotada resolvessem o problema, a gente não tinha tanta corrupção neste país, a gente não tinha tanto bandido travestido de santo neste país - disse Lula na solenidade que também comemorou os vinte anos do ECA.
Vannuchi lembra caso de Isabela Nardoni
Lula disse, ainda, que "beliscão dói para cacete":
- O Paulinho (Paulo Vannuchi, secretário nacional de Direitos Humanos) falou duas vezes em beliscão. Mas beliscão dói para cacete, Paulinho. Eu me considero uma criança abençoada, porque não lembro da minha mãe ter batido num filho. O máximo que ela fazia era, às vezes, com cinco homens deitado numa cama, ela vir com chinelo, e a gente esticava o cobertor e fingia que estava doendo. Depois, a gente começava a rir. O meu pai, vocês viram no filme ("Lula, o filho do Brasil"), era um homem bruto, mas nunca apanhei dele. Também nunca bati nos meus filhos.
Vannuchi e o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, afirmaram que não se trata de proibir palmadas e beliscões.
- É um reducionismo. Estamos falando de tortura, de maus tratos violentos - disse Paulo Barreto.
Vannuchi disse que o alvo principal do projeto não é o "beliscão ou palmadinha", mas casos como o de Isabela Nardoni, menina que morreu após cair de um prédio em São Paulo. O pai da garota, Alexandre Nardoni, e a madrasta, Anna Carolina Jatobá, foram condenados, respectivamente, a 31 e 26 anos de cadeia, acusados de matarem Isabela.
- Não é o beliscão e a palmadinha que nos move. Mas casos de Isabela Nardoni e outros. Nos incomoda o berro (de uma criança que apanha) no apartamento do lado - disse Vannuchi.
Lula, que falou depois, discordou de Vannuchi e disse que beliscão dói muito.
Se o projeto for aprovado, os pais que castigarem fisicamente os filhos poderão ser encaminhados ao programa oficial de auxílio, orientação e tratamento de alcoólatras e toxicômanos, ou a tratamento psiquiátrico. O projeto prevê ainda que os filhos sejam retirados do lar para que não continuem sendo agredidos pelos pais.
Em seu discurso, o presidente afirmou que os pais não estão conversando com seus filhos, mas que encontram tempo para tomar uma cerveja e participar de uma reunião. A educação sexual é um dos temas que os pais não têm tratado com os filhos, segundo Lula. Na opinião do presidente, os pais acham que a natureza ensina sobre as relações sexuais e que os filhos, na rua, ouvem informações inadequadas:
- O máximo que o homem brasileiro aprendeu a fazer, na sua forma mais banal de ser humano, é ter orgulho de, quando o filho completasse 15 anos, levar ele a uma casa de prostituição para ter sua primeira experiência sexual. E o máximo, para o pai, é a filha ser virgem até o casamento.