Título: Lula: EUA foram incompetentes
Autor: Dalvi, Bruno; Ordoñez, Ramona
Fonte: O Globo, 16/07/2010, Economia, p. 27

Presidente ataca O GLOBO. Para analistas, Brasil não está preparado para vazamento de óleo

Danielle Nogueira

Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem, em Vitória, que os Estados Unidos são incompetentes por não terem conseguido conter o vazamento de petróleo no poço do Golfo do México operado pela BP. E, pouco antes de inaugurar oficialmente a primeira produção contínua do pré-sal brasileiro, no litoral capixaba, Lula afirmou que a União Europeia (UE) só recomendou aos países do bloco suspender novos projetos de exploração em águas profundas porque lá não teria petróleo no mar. O presidente criticou reportagem publicada ontem no GLOBO mostrando que o Brasil está aumentando a produção de petróleo em águas profundas, caso do pré-sal, enquanto EUA e Europa estão revendo essa atividade por causa do acidente no Golfo do México, o maior desastre ambiental da história da indústria petrolífera.

- Quando li a manchete do jornal O GLOBO, eu não gosto de citar manchete, mas dizer que a Europa está parando de tirar petróleo do fundo do mar... eles não têm (petróleo). Essa manchete é vergonhosa. O que eles deveriam estar fazendo era criticar a incompetência dos Estados Unidos em não terem terminado o vazamento de óleo que já dura mais de 60 dias. Significa dizer que eles não conhecem nem a Petrobras. Se conhecessem, não fariam uma manchete dessas - disse Lula em entrevista à Rádio Litoral FM.

Especialista cobra transparência

Mais tarde, em discurso no navio plataforma FPSO Capixaba, no Campo de Baleia Franca, onde teve início a primeira produção contínua do pré-sal brasileiro, Lula disse que um acidente como o do Golfo do México não ocorreria com a Petrobras.

- Primeiro, é preciso saber qual país da Europa tem petróleo no fundo do mar. O pouco que tem no Mar Morto (sic) está acabando, no Mar do Norte está acabando. Ou seja, na verdade, talvez esteja por detrás disso a ideia de dizer: "Ô Brasil, não tira o seu petróleo do pré-sal, não! Deixa aí para alguém um dia vir tirar". E nós temos tecnologia. A empresa (que provocou o acidente no Golfo) que estava fazendo aquilo (nos EUA), para fazer mais barato, colocou menos do que precisava colocar e quando explodiu aconteceu o que aconteceu. Não é o caso que vai acontecer com a Petrobras, que 190 milhões de brasileiros estarão ajudando a Petrobras a tirar, da forma mais carinhosa possível, o nosso tão cheiroso e admirado petróleo do pré-sal.

Apesar de Lula afirmar que o petróleo no Mar do Norte está acabando, a Noruega produz hoje 2,3 milhões de barris de petróleo por dia e o Reino Unido, 1,4 milhão. O Mar Morto, citado pelo presidente, fica na verdade no Oriente Médio.

Especialistas, porém, temem que, com o avanço da produção em águas profundas no pré-sal, o Brasil se torne vulnerável a acidentes como o ocorrido nos EUA. Eles também cobram mais transparência dos órgãos reguladores e ambientais.

- Está havendo uma omissão por parte da ANP (Agência Nacional do Petróleo) e do Ibama em dar transparência ao que planejam em termos de normas de segurança e fiscalização para o pré-sal. É injustificável - criticou o ex-diretor da ANP David Zylbersztajn, que, contudo, não acha necessário o Brasil adiar projetos em águas profundas como fizeram EUA e Noruega, e como recomendou a UE.

No Brasil, os maiores campos de petróleo situam-se em águas profundas e, no caso do pré-sal, que ainda será explorado, a profundidade é muito maior, de até sete mil metros. Nas primeiras áreas já pesquisadas do pré-sal, há reservas estimadas de 15 bilhões de barris, o que dobraria a capacidade de produção brasileira.

Zylbersztajn também critica a falta de transparência da Petrobras em relação à atuação no pré-sal. Para o advogado especialista em petróleo Alexandre Aragão, Petrobras e ANP precisam mostrar como são os sistemas de segurança no país e, se em função do acidente no Golfo do México, é preciso mudar alguns procedimentos. A estatal alega estar em período de silêncio devido à capitalização e não quis se manifestar.

Em nota, a ANP afirmou ontem que, "até o momento, não há indicações de que seja necessário alterar a atual regulamentação sobre segurança operacional das plataformas que operam em águas brasileiras". Segundo a agência, apenas com informações mais detalhadas sobre o acidente da BP, será possível determinar se será necessário tornar mais rigorosos os sistemas de segurança operacional no Brasil.

Para o oceanógrafo da Uerj Ricardo Carreira, que trabalha com monitoramento de poluição por petróleo, o país não está preparado para um acidente como o do Golfo do México:

- O que me preocupa é que não há um plano de ação integrada para contenção de vazamentos. A capacidade de resposta brasileira não está clara.

País concentra poços profundos

Edmar de Almeida, do Grupo de Economia de Energia da UFRJ, lembra que a produção petrolífera está em declínio nos países europeus e que, por isso, é mais fácil para eles tomar a decisão de suspender as perfurações de novos poços em alto mar. A Noruega, por exemplo, viu sua produção cair de 3,1 milhões de barris/dia de petróleo em 1999 para 2,3 milhões de barris diários no ano passado.

- Seria uma inconsequência o Brasil suspender seu programa. O maior potencial de aumento de produção em águas profundas no mundo está aqui.

Segundo Almeida, mais de 30% dos poços com 2 mil metros de profundidade ou mais já perfurados no mundo estão em costas brasileiras, e a Petrobras detém expertise para exercer a atividade.