Título: A realidade além do discurso eleitoral
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Fonte: O Globo, 16/07/2010, Opinião, p. 6

Período eleitoral é temporada de promessas. Esta campanha, porém, tem ido mais longe, com o Congresso em surto de benevolência irresponsável. Aliadas, situação e oposição comprometem bilhões de reais em gastos futuros, como se as contas públicas já não estivessem apertadas com as despesas em custeio aprovadas em passado recente: salário do funcionalismo, contratação de novos servidores, previdência. Em vez de promessas, os políticos concretizam gastos irreversíveis.

Há, ainda, as propostas dos candidatos. O tucano José Serra, decidido a fechar o flanco na questão dos programas sociais, e não ser acusado de conspirar contra essas despesas, assinou carta formal de compromisso com a conservação desta política. Mais até, anunciou que duplicará o Bolsa Família, hoje um guarda-chuva sob o qual estão abrigadas 13 milhões de famílias, com as quais são gastos mais de R$10 bilhões por ano. A petista Dilma Rousseff, por sua vez, não desejará ficar atrás.

O ponto-chave é saber se a economia é capaz de dar sustentação ao maremoto de gastos que se avolumam. Como não existe margem para a ampliação de uma já escorchante carga tributária de 36% do PIB, é difícil imaginar como a gastança possa continuar sem criar distorções graves.

O Brasil tem mostrado, historicamente, baixa capacidade de acumulação de poupança, da qual depende em grande medida a taxa de investimento na ampliação da capacidade de produção do país. Se o consumo crescer numa velocidade superior ao crescimento de linhas de produção, fortalecimento da infraestrutura etc - como tem ocorrido -, o resultado é inflação, alta dos juros, redução do ritmo de crescimento. Outro efeito é o aumento das importações, algo saudável, mas que, se for demasiado, causando déficits externos que não sejam compensados por investimentos de fora - melhor do que por capitais financeiros -, estrangulará o balanço de pagamentos, num tipo de crise conhecido dos brasileiros. O dado novo, positivo, é que há reservas externas na faixa de US$250 bilhões, para compensar qualquer efeito deletério decorrente de algum desequilíbrio mais forte externo.

A baixa taxa de poupança do país (16% do PIB, aproximadamente) é a outra face da anêmica taxa de investimento (entre 18% e 20%). É por este motivo que o crescimento estimado do PIB para este ano de 7% não se sustentará. Calcula-se que, para ser mantida uma expansão média contínua, sem pressões excessivas inflacionárias e nas contas externas, na faixa de 5% anuais são necessárias inversões de 25% do PIB ao ano. Completa-se, então, o cenário: como gastos públicos excessivos impedem o aumento da poupança, e se as perspectivas, neste sentido, não parecem positivas, continua presente a possibilidade objetiva de o Brasil crescer em ritmo relativamente baixo. Como ocorre há anos. Convém relembrar estatísticas publicadas recentemente por Martin Wolf, colunista do "Financial Times", jornal inglês: apesar de todo o discurso ufanista, de 1995 a 2009 a média de expansão do PIB brasileiro foi de apenas 2,9%; por isso, o peso do país na produção mundial encolheu, no período, de 3,1% a 2,9%. Ao mesmo tempo, a participação da China no PIB mundial saltou de 5,7% para 12,5%, e a da Índia, de 3,2% para 5,1%. Não por acaso, são países com taxas de poupança e investimento bem superiores às nossas. A questão é de simples aritmética.