Título: Cobrar responsabilidade
Autor: Oliveira, Carmen Silveira de
Fonte: O Globo, 19/07/2010, Opinião, p. 6

OEstatuto da Criança e do Adolescente completa 20 anos desde a sua adoção como o mais importante conjunto de normas legais para proteger os menores de 18 anos. Na cerimônia em que se comemorou a marca, o governo enviou ao Congresso um projeto para incluir no ECA a proteção de jovens contra punições físicas de pais e educadores. A justificativa - risível - foi tipificar castigos físicos não com o intuito de criminalizar os pais, mas de evitar tragédias como o caso Isabella Nardoni.

O governo prevê também outras alterações no estatuto, para tornar mais tíbio o já ténue viés punitivo da legislação. Parte-se do pressuposto de que, em lugar de punir jovens apanhados na criminalidade, mandando-os à reclusão (uma tendência entre os juízes, em face do clamor da opinião pública ante o crescente envolvimento de menores de idade com o crime), o correto seria atenuar as punições. Argumenta-se que as instituições não estão preparadas para cumprir suas funções correcionais.

Trata-se de curioso exemplo de conclusão correta partindo de raciocínio torto. As casas de custódia, ou similares, onde são recolhidos menores apanhados na criminalidade, funcionam, de fato, como a antítese de sua destinação. Superlotadas, com carência de pessoal qualificado e, na maioria dos casos, cumprindo o triste papel de simples depósitos de jovens com desvios de conduta, graves ou não, tais instituições funcionam como linhas de montagem do crime.

À regeneração se sobrepõe, quase sempre, o aperfeiçoamento do jovem para a marginalidade. Crianças e adolescentes que lá chegam, tendo cometido pequenas infrações, acabam entrando num mundo no qual o respeito à lei é letra morta, e de lá saem prontos para se alinhar irremediavelmente com o banditismo. É fato concreto, irrefutável, em vista de estatísticas e relatos de quem tenha passado por essas ratoeiras.

Dessa realidade, no entanto, não deve decorrer que a solução seja adotar atitudes paternalistas com jovens criminosos. Cumpre, isso sim, dotar as instituições correcionais de meios para cumprir sua destinação, qual seja, a de proteger crianças e adolescentes e reintegrá-los à sociedade. O ECA já tem um conteúdo de dispositivos paternalistas em excesso. Abrandar punições, em razão da ineficácia do sistema correcional, não só não resolve o problema da criminalidade juvenil, como o agrava.

Tem-se, portanto, um estatuto eficaz na preservação dos direitos do menor - o que é correto. Mas preocupantemente indulgente quando se trata de cobrar responsabilidades. E neste aspecto é imperioso que se revejam dispositivos que tornam o ECA leniente com a questão das obrigações dos jovens. Caso, por exemplo, da teimosa manutenção do limite da inimputabilidade em 18 anos - a favor da qual levanta-se a questão da baixa idade do criminoso, embora, em contrapartida, se deixe de lembrar que o jovem aos 16 anos está apto a votar e exercer outros direitos que lhe exigem suficiente maturidade.

Em 20 anos, o ECA incorporou à realidade da criança e do adolescente uma série de direitos, o que é inegociável, em face da obrigação de o Estado proteger os jovens. Mas duas décadas, durante as quais o mundo passou por profundas transformações, antecipando o processo de amadurecimento das pessoas, também deveriam ser uma oportunidade para adequar a legislação às novas imposições sociais.