Título: Preservar conquistas
Autor: Oliveira, Carmen Silveira de
Fonte: O Globo, 19/07/2010, Opinião, p. 6

Vários indicadores demonstram que a situação da infância e da adolescência no Brasil melhorou em vinte anos do Estatuto da Criança e do Adolescente: a redução significativa da extrema pobreza; a elevação da expectativa de vida em mais de seis anos; o decréscimo da mortalidade infantil em 58%; o aumento da taxa de escolarização, diminuindo a diferença entre brancos e pretos e entre área urbana e rural; a retirada de mais de 5 milhões de crianças e adolescentes do trabalho infantil.

Para a defesa dos seus direitos, o Brasil passou a contar com uma rede até então inexistente, como os Conselhos Tutelares e os Conselhos dos Direitos, hoje implantados em 98% e 92% dos municípios, respectivamente. A consulta popular foi efetivada através de oito conferências nacionais, inclusive em caráter deliberativo e com a participação de adolescentes desde 2007.

Por outro lado, nos últimos anos o combate a violações dos direitos humanos de crianças e adolescentes foi devidamente priorizado, com alguns resultados promissores, tais como a construção de agendas nacionais de enfrentamento da exploração sexual, de erradicação do trabalho infantil, de superação do modelo Febem no atendimento a adolescentes em conflito com a lei, bem como a implantação de medidas alternativas à longa permanência de crianças e adolescentes em abrigos ou em espera para adoção.

Contudo, é preciso reconhecer que a nova década traz alguns desafios, a começar pela superação das desigualdades no acesso aos direitos, garantindo a todas as crianças e todos os adolescentes as mesmas oportunidades consagradas na lei. É preciso levar em conta que a vulnerabilidade das novas gerações não se circunscreve ao ambiente de pobreza, na medida em que os flagelos da drogadição, o abuso sexual, a pornografia infanto-juvenil na internet, os castigos físicos e as práticas de humilhação, tais como o bullying, perpassam as classes sociais.

Além disso, as elites brasileiras precisam superar os velhos estigmas que legitimam e banalizam a criminalização e os assassinatos de adolescentes pobres. É urgente ainda perceber e analisar as consequências do agenciamento de seus filhos ao consumismo desenfreado, ao individualismo segregador, à corrida competitiva para assegurar seu lugar no futuro mercado de trabalho ou para corresponder aos apelos dos padrões estéticos, tecnológicos e de consumo.

Muitas dessas questões foram destacadas no Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH-3) e deverão estar incorporadas ao primeiro Plano Decenal, que se encontra em formulação pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Como as diretrizes já estão definidas, a expectativa é de que candidatas e candidatos à Presidência da República possam, no contexto de comemoração dos 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, assinar um termo de compromisso com os avanços em direitos humanos das novas gerações. Afinal, o que se espera do Brasil em tempos de aceleração do crescimento econômico é a garantia de que as crianças e adolescentes cresçam em um país cada vez mais desenvolvido, justo e solidário.

CARMEN SILVEIRA DE OLIVEIRA é psicóloga e subsecretária de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Presidência da República .