Título: Da dolce vitta à solitária em Bangu
Autor: Bôas, Bruno Villas
Fonte: O Globo, 11/07/2010, Economia, p. 27

Após faltas graves e 45 dias de isolamento, ex-banqueiro Cacciola pode perder regime semiaberto

Prestes a completar dois anos de prisão no Rio, o ex-banqueiro Salvatore Alberto Cacciola, condenado pela Justiça brasileira a 17 anos e seis meses de cadeia por crimes de gestão fraudulenta, desvio de dinheiro público e empréstimo vedado, completou na quarta-feira passada um sexto de sua pena. Amanhã, advogados do ex-dono do Banco Marka, que causou prejuízos de R$1,5 bilhão aos cofres públicos em 1999, pretendem pedir à Justiça do Rio progressão de regime (de fechado para semiaberto). Isso significa que Cacciola poderá ficar parte do dia fora do presídio Petrolino Werling de Oliveira, Bangu 8, onde é o detento da cela 17, da galeria D. Mas essa decisão ficará a cargo da Justiça, que precisará pesar duas indisciplinas graves cometidas pelo ex-banqueiro na prisão e que lhe custaram 45 dias de solitária, conforme documentos internos de Bangu 8 obtidos pelo GLOBO.

O ex-foragido número 1 da Justiça brasileira - que beneficiado por um habeas corpus em 2000 fugiu para Roma, na Itália, protegido por sua dupla cidadania (é italiano naturalizado brasileiro) - divide hoje a cela com 20 detentos, todos de nível universitário. Uma rotina muito diferente da "dolce vitta" de Roma, ainda que Bangu 8 seja conhecido como o presídio dos "VIPs" por causa de constantes denúncias de regalias.

Segundo ex-detentos, Cacciola mantém boa relação com os presos e inspetores penitenciários de Bangu 8. Mas documentos da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) mostram um Cacciola um pouco menos cordial. Ele teve pelo menos dois dias de fúria no presídio. Para o Ministério Público Estadual (MPE) do Rio, isso seria suficiente para a Justiça não conceder o benefício a Cacciola.

Cacciola: "Alguém quer me prejudicar"

Foi na manhã de uma quarta-feira, 28 de julho de 2009, que Cacciola cometeu sua pior indisciplina. O ex-banqueiro saiu do pátio de visita do presídio, onde estava reunido com sua família, "totalmente alterado", segundo os registros da Seap. Apontou o dedo para o rosto do inspetor de segurança penitenciária e falou alto. Reclamou que sua família aguardara uma hora antes que fosse chamado. E que era a terceira vez que isso acontecia.

"Você tem alguma coisa contra mim? Eu fiz alguma coisa contra você?", indagou ao inspetor, na frente de outros quatro presos, conforme documentos da Seap.

O agente, surpreso, levantou-se da cadeira e respondeu que não tinha nada contra ele, mas que seria melhor Cacciola falar baixo. Caso contrário, seria punido. Essa ordem irritou ainda mais o ex-banqueiro:

"Falar baixo é o caralho... e vai se foder", gritou Cacciola, que deu as costas ao inspetor e voltou à visita familiar, que acabou cancelada. O episódio custou-lhe 30 dias de solitária.

Quando ofendeu o inspetor, Cacciola traiu suas próprias regras na prisão: "se impor, sem ofender, mostrar dureza com educação", como ele relata no livro "Eu, Alberto Cacciola, confesso: o escândalo do Banco Marka", escrito durante seu período em Roma. Também no livro Cacciola reconhece seu temperamento explosivo: "jamais tive papas na língua" e "nunca fui de levar desaforo para casa".

Cinco meses antes da segunda falta grave cometida em Bangu 8, em março do ano passado, esse temperamento também lhe custou 15 dias de isolamento. Segundo registros do presídio, Cacciola ofendeu outro preso, o advogado Edison Silveira Biancardine. O detento acusou Cacciola de tirar fotos da cama de outro preso da galeria D de Bangu 8, durante um dia de dedetização da penitenciária.

Biancardine relatou ter visto Cacciola com um objeto preto - "uma câmera ou um joguinho" - nas mãos, posicionado como quem estaria tirando fotos do beliche do preso Eduardo Carraca, o Didu, condenado por tráfico de drogas. Cacciola teria aberto a cortina que cerca a cama e estava "até com um ar de deboche".

Nos documentos da Seap, Cacciola nega ter tirado qualquer foto. Ele alega que estava com gastrite e carregava um remédio (Neosaldina). Depois, acompanhou o funcionário que faria a dedetização da ala, razão pela qual entrou na cela de outro preso. O ex-banqueiro foi chamado à presença do diretor. Ouviu o detento Biancardine confirmar que Cacciola parecia estar tirando foto. O sangue lhe subiu à cabeça:

"Moleque!", disse Cacciola, perdendo o controle e quase agredindo fisicamente o detento, o que lhe custou a sua primeira solitária.

Em depoimento, Cacciola se disse perseguido. E lembrou de um episódio anterior. Em agosto de 2008, o ex-banqueiro foi acusado, ao lado de outros presos de pedir comida e bebida de restaurantes caros da Barra da Tijuca, com dinheiro acima do permitido por lei. Ele teria recebido lagosta na prisão. Esse consumo, no entanto, é proibido em Bangu 8.

"Estou preocupado porque esse episódio agora me lembra o da lagosta, que nunca aconteceu", garantiu Cacciola ao diretor de Bangu 8, segundo os registros da Seap. "Alguém quer me prejudicar."

Irmão do ex-banqueiro, o empresário Renato almoça uma vez por semana com Cacciola em Bangu 8. É uma das presenças mais frequentes na vida do irmão. Segundo ele, Cacciola aguarda "tranquilo, na medida do possível, a ação dos advogados" para a progressão do regime para semiaberto. E minimiza informações sobre as indisciplinas.

- Muito do que é divulgado fora das paredes é questionável - afirma Renato.

Cacciola tem direito a receber visitas duas vezes por semana: às quartas-feiras e aos sábados, das 9h às 16h. Os familiares podem levar produtos de higiene pessoal, alimentos e bebidas (exceto alcoólicas) para ele. Outra presença constante é da filha Rafaela, cantora e ex-namorada do deputado Indio da Costa (DEM), vice na chapa do PSDB à Presidência da República.

Quando não tem visitas, o ex-banqueiro se divide entre leituras e conversa com outros detentos. Na sua relação de livros está a própria autobiografia, que empresta para outros presos. Um deles foi o ex-chefe da Polícia Civil e deputado cassado Álvaro Lins, atualmente beneficiado por causa de um habeas corpus.

- Ele sempre se relacionou bem e foi solícito. Acompanha os problemas de todo mundo e, se interessa pelas pessoas. Muito distante daquela figura arrogante que a imprensa passava em relação a ele - afirma Lins.

Banho de sol, tênis de marca e bermuda

Mas sua relação com companheiros de cela está distante da relação que Cacciola mantém com juízes, promotores e jornalistas. Em 1999, ele agrediu repórteres no Rio. Um oficial de Justiça contou que ao intimá-lo em Bangu 8, Cacciola teria dito: "Agora você já pode contar para os seus amigos que intimou Salvatore Alberto Cacciola".

O ex-banqueiro, que tem 66 anos, tem direito ao banho de sol a cada dois dias, quando faz caminhadas. Usa tênis de marca e, frequentemente, bermuda. Nunca se interessou, no entanto, por trabalhar na prisão. Como todos os presos, ele passa três vezes ao dia pelo "confere" da unidade, como é chamada a contagem dos presos: às 8h, 17h e 19h. Na cela, tem um televisor que franqueou a outros presos, assim com um frigobar que também permite uso por outros detentos.

Os advogados de defesa preferem não estimar quando ele poderá ser solto. Reforçam que ele cumpriu um sexto da pena, de 17 anos e seis meses. Ficou preso 37 dias em 2000, dez meses em Mônaco entre 2007 e 2008 e mais dois anos no Rio. Sustentam ainda que um dos processos - empréstimo vedado - teria sido arquivado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e que Cacciola cumpre agora, na verdade, uma pena de 13 anos de prisão.

O promotor Fabiano Rangel, responsável pela execução da pena de Cacciola, explica que presos em regime semiaberto que cometem faltas graves são punidos com regressão para o regime fechado. Por questão de isonomia, quem está preso em regime fechado e comete falta grave também deve, portanto, sofrer como punição nova contagem de tempo para progressão de regime. Mas a questão tem diferentes interpretações na Justiça.