Título: Estimulo fiscal contra crise ajudou empresas de cigarro sonegadoras
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 11/07/2010, Economia, p. 28

Companhias do setor punidas reabriram as portas com Refis da Crise

Brasília. Criado para dar um alívio ao setor o produtivo durante a turbulência na economia mundial, o mais recente programa de parcelamento de dividas tributarias e previdenciárias ¿ conhecido como Refis da Crise ¿ acabou servindo para proteger empresas que sonegam impostos freqüentemente. O caso mais claro está no setor de cigarros, onde a inadimplência dos contribuintes costuma ser elevada, especialmente na arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

No ano passado, duas empresas que haviam sido fechadas pela Receita por sonegação conseguiram reabrir suas portas graças ao Refis da Crise. Uma outra também chegou a conseguir voltar a funcionar por causa do parcelamento, mas a Receita Federal conseguiu fecha-la novamente pouco tempo depois.

Ao aderir a um parcelamento, as empresas conseguem obter certidões negativas de débito (CND) e passam a ser consideradas adimplentes junto a o Fisco. Segundo o diretor de Planejamento Estratégico da Souza Cruz, Paulo Ayres, a concorrência com fabricantes de cigarros que são devedores costumazes da Receita prejudica os negócios de quem recolhe os tributos em dia.

Cigarro sai por R$ 1,30, bem abaixo da concorrência

Um estudo feito pela companhia revela que, considerando apenas a tributação e os custos de produção e distribuições, o preço mínimo de um maço de cigarros deveria ser de R$ 2,20. Incluindo na conta a margem de lucro, esse valor passaria para algo entre R$ 3,25 e R$ 4. No entanto, há produtos que são vendidos no mercado a R$ 1,30.

- Não há como competir com esses preços. São sinais claros de sonegação ¿ afirma Ayres. Os técnicos da Receita admitem que o Refis da Crise contribuiu para ajudar as empresas sonegadoras, pois elas não costumam recolher tudo o que devem. A prática mais comum é pagar a parcela mínima da divida durante alguns meses e depois simplesmente abandonar o parcelamento.

-Sabemos que é uma questão de tempo para que essas empresas (do setor de cigarros) voltem a fechar suas portas ¿ disse um auditor. O Brasil tem hoje 17 fabricantes de cigarros, sendo que apenas duas empresas recolhem todos os seus tributos regulamente . As demais estão fechado pela Receita ou funcionando por meio de liminares judiciais.

Um sinal forte de que parcelamentos tributários têm pouca eficiência é a exclusão e o movimento de migração dos contribuintes de um modelo para outro. O primeiro grande programa de refinanciamento ¿ Refis ¿ feito em 2000, teve 130 mil inscritos, mas ao longo dos anos esse numero caiu vertiginosamente. Um ano depois, apenas 29,8% dos optantes ainda estavam inscritos. O restante foi excluído por não se adequar às regras ou por ter deixado de pagar. Até abril deste ano, já foram excluídos do Refis quase 110 mil empresas, o que representa 84,5% do total.

O mesmo ocorreu com o Paes (Parcelamento Especial), lançado em 2003 e que chegou a ter 377 mil inscritos naquele ano. Em 2004, esse número chegou a 374 mil inscritos, despencando nos anos seguintes. Até abril de 2010, já foram excluídos desse parcelamento 231.731 contribuintes, ou 61,5% do total inicial. A Receita também já constatou que 45,5 mil para o Paes e outros 22 mil foram para o Paex (Parcelamento Excepcional), de 2006.

No caso do refis da Crise, o total de optantes é o maior já registrado para um programa de parcelamento: 561.970 empresas. Ele permite que os contribuintes parcelem débitos com a receita ou com Procuradoria Gerald a Fazenda Nacional (PGFN) vencidos até 30 de novembro de 2008 em até 180 meses com redução de até 100% em multas e de 45% nos juros.

Refis da Crise é mais leniente com sonegadores

Segundo os técnicos do Fisco, esse programa é ainda mais lenientes com os sonegadores. Os parcelamentos anteriores exigiam que as empresas inscritas pagassem os débitos antigos e se mantivessem em dia com suas obrigações. Caso contrário, poderiam ser excluídos do beneficio. -Mas, no programa de hoje, elas não precisam se manter em dia com o recolhimento de tributos. Se pagarem a parcela mínima, continuam tendo direito ao beneficio. Isso, sem dúvida, cria um problema para o futuro ¿ disse o técnico.

Quem optou pelo novo parcelamento também está se beneficiando agora da demora da receita em consolidar os valores das dividas de cada contribuinte. Embora o prazo para aderir ao programa tenha se encerrado em novembro do ano passado, o Fisco ainda está aguardando que as empresas informem que débitos querem incluir do refis da Crise. Ele só se encerrará no fim deste mês. Por isso, desde o início do ano, os devedores estão pagando apenas parcelas mínimas, em torno de R$ 100.

O trabalho da área de fiscalização da Receita mostra que as autuações de contribuintes por sonegação costumam subir a cada ano. Em 2000, o montante chegou a R$ 28,4 bilhões, incluindo pessoas físicas e jurídicas. Em 2003, o total chegou a R$ 39,8 bilhões ¿ 40% acima do registrado três anos antes. Já em 2007, o valor atingiu o valor recorde de R$ 100 bilhões , que caiu para R$ 90 bilhões no ano passado.

O tributo mais sonegado é o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), cujas autuações chegaram a R$ 28 bilhões no ano passado. O IPI vem em segundo lugar ¿ com R$ 13,6 bilhões ¿ seguido pela Contribuição Social sobre Lucro Liquido (CSLL), com R$ 12 bilhões.