Título: BP, uma história de ousadia e erros catastróficos na busca pelo lucro
Autor: Krauss, Clifford ; Lyall, Sarah
Fonte: O Globo, 18/07/2010, Economia, p. 34
Responsável pelo acidente do Golfo do México, petrolífera britânica tornou-se a 2ª maior do setor com uma política de segurança questionada por analistas, rivais e ex-empregados
BARCOS CERCAM o incêndio controlado de um dos vazamentos de óleo do poço acidentado no Golfo do México
NOVA YORK e HOUSTON. O furacão Dennis já tinha desaparecido em 11 de julho de 2005, quando um navio que passava testemunhou uma cena chocante no Golfo do México: Thunder Horse, a gigantesca plataforma petrolífera de US$1 bilhão da BP, adernava precariamente para um lado, como se estivesse para afundar. Com 15 andares acima da superfície do mar, a Thunder Horse foi criada para ser a glória da companhia, a expressão física e simbólica de seu ousado jogo para vencer os rivais na busca e exploração das vastas reservas de petróleo no Golfo.
Em vez disso, o equipamento, que deveria produzir cerca de 20% da jazida do Golfo, se tornou um símbolo da arrogância da BP. Uma válvula instalada ao avesso causou uma inundação durante o furacão, prejudicando o projeto, antes que uma gota sequer de óleo fosse extraída. Outros problemas, descobertos mais tarde, incluíram uma soldagem tão mal feita, que afetou os oleodutos submarinos, deixando-os com rachaduras.
¿ Poderia ter sido catastrófico ¿ diz Gordon Aaker Jr., consultor-sênior de engenharia do projeto. ¿ O óleo poderia ter se espalhado por quilômetros antes que o vazamento fosse descoberto. Teria sido um vazamento como o de Deepwater Horizon (torre de perfuração em água profunda arrendada à BP, que afundou em 22 de abril deste ano, dois dias após uma explosão na costa de Louisiana, provocando derramamento de óleo).
Os problemas na Thunder Horse não foram uma anomalia, mas um sinal de que a BP estava correndo muitos riscos e ignorando salvaguardas na busca por lucro, segundo analistas, concorrentes e ex-empregados. Apesar de um catálogo de crises e quase acidentes nos últimos anos, a BP foi incapaz ou não quis aprender com os erros, revela uma análise dos registros de ocorrência.
¿ Eles foram bastante arrogantes, orgulhosos e intransigentes ¿ disse Steve Arendt, especialista em segurança que assessorou o painel criado pela BP para investigar as refinarias da companhia após a explosão de uma de suas unidades em 2005, na cidade do Texas. ¿ É possível que tenham sido enganados por seu próprio sucesso.
E, de fato, houve muitos casos de sucesso para a empresa se gabar. Em pouco mais de uma década, a BP passou de peso-médio para a segunda maior companhia do setor, atrás apenas da Exxon Mobil, com lucros estratosféricos, gordos dividendos e um valor de ação à altura.
Desde sua sede, em Londres, a empresa fechou acordos de exploração em regiões politicamente instáveis ou voláteis, como Angola e Azerbaijão. Pressionou ao limite as tecnologias de exploração em áreas remotas, como o Alasca e nas profundidades do Golfo do México. Fazemos ¿as coisas difíceis que os outros não podem ou optam por não fazer¿, gabou-se certa vez seu diretor-executivo, Tony Hayward.
A empresa também liderou uma onda de corte de custos e consolidação no segmento petrolífero. Adquiriu rivais americanos como Amoco e Atlantic Richfield e eliminou dezenas de milhares de empregos em várias etapas, racionalizando sua administração. E passou a ter cada vez mais serviços executados por firmas terceirizadas.
Inicialmente, a estratégia da BP pareceu valer a pena. Porém, no dia 20 de abril, o cenário de pesadelo ocorreu: a plataforma de perfuração Deepwater Horizon explodiu, matando 11 trabalhadores e despejando milhões de litros de óleo do campo batizado de Macondo, criando uma maré negra e venenosa.
Só na sexta-feira passada, a BP conseguiu tampar com sucesso o poço danificado e interromper o vazamento. E, ontem, a empresa admitiu que ainda precisará fazer novos testes para garantir que não ocorram novos derramamentos de óleo.
Para empresa, acidente no Golfo foi acaso infeliz
Embora o acidente ainda esteja sendo investigado, sinais preliminares verificados por investigadores do Congresso americano indicam que a BP tomou uma série de decisões que ajudaram a elevar as chances do desastre.
A BP não permitiu que Hayward ou outros executivos da companhia fizessem comentários sobre esta reportagem. No entanto, em uma entrevista no mês passado, Robert Dudley, membro do conselho diretor da BP, agora responsável pela administração do desastre do Golfo, negou que o acidente fosse resultado de negligência da companhia em relação à segurança.
¿Acredito que descobriremos que isso foi uma incrível e complexa série de eventos misturados a decisões individuais e falhas de equipamento, que levaram a um acidente industrial complicado¿, disse ele.
A BP está longe de ser a única petrolífera que assumiu projetos difíceis com uma rede precária de segurança. Mas, a atitude da empresa em relação aos padrões de risco parece diferir substancialmente de suas rivais, especialmente a Exxon Mobil, cuja triste experiência com o vazamento de óleo do Exxon Valdez, em 1989, levou a uma reformulação geral da forma como trata da questão de segurança.