Título: PT quer votos de beneficiados por programas sociais de Lula
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 18/07/2010, O País, p. 8

Estratégia é tentar neutralizar promessa de Serra de duplicar Bolsa Família

JOSÉ EDUARDO Dutra: para ele, o único voto fiel é o do militante, e os demais precisam ser conquistados BRASÍLIA. O comando da campanha da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, decidiu fazer uma ofensiva para fidelizar o voto das 24 milhões de pessoas que ascenderam das classes D e E para a classe C durante o governo Lula. A ofensiva será deflagrada para tentar neutralizar a estratégia da campanha tucana, já que o candidato do PSDB, José Serra, prometeu duplicar os investimentos no Bolsa Família para conquistar uma fatia desse eleitorado.

Os estrategistas de Serra devem anunciar, antes do início da campanha na TV, propostas para conquistar grupos de eleitores que se beneficiam dos programas sociais do governo. Serra diz que sua meta de campanha é a erradicação da pobreza ¿de todas as famílias que estão abaixo da linha da pobreza¿. O Bolsa Família beneficia hoje cerca de 12,6 milhões de famílias e, com a promessa de Serra, chegaria a 27,6 milhões.

`As pessoas não querem ficar agradecidas¿

Por isso, o PT trabalha para manter esse eleitorado. O presidente do PT, José Eduardo Dutra, reconhece que é preciso reconquistar o voto dos mais beneficiados pelos programas sociais do governo Lula. Segundo ele, não se pode fazer um discurso mirando as conquistas do passado, pois já estão contabilizadas pela população:

¿ Isso é da natureza humana. O que as pessoas consideram feito, já está no embornal. Como as conquistas estão garantidas, as pessoas querem mais. Depois que se atinge determinado patamar, as pessoas não querem ficar agradecidas. Por isso, não é automático o voto dessas pessoas. Não é suficiente falar do passado. Não existe fidelização do voto. O único voto fiel é o dos militantes ¿ diz Dutra.

A disputa por esse eleitorado não é por acaso. Na última pesquisa Ibope/Estado de S.Paulo/TV Globo, concluída em 3 de junho, Dilma tinha a maioria das intenções de voto entre os que recebem ajuda dos programas sociais, mas a dianteira não era tão confortável: a petista aparecia com 43% contra 33% de Serra. Já no segmento não beneficiado, o tucano tinha 38% contra 34%. No universo total de entrevistados, os dois estavam empatados em 37%.

O levantamento revelou que os programas do governo federal chegam a 30% dos domicílios do país. O mais abrangente é o Bolsa Família, que tem beneficiários em 22% dos domicílios.

¿ É preciso continuar convencendo as pessoas até o último momento. O voto só existe quando o número é digitado na urna eletrônica. Até lá, o que há é intenção de voto. Que o Brasil pode mais, todos concordamos. A questão é quem pode fazer mais. Quem estava nesse modelo ou quem tinha um modelo diferente? Por isso, o grande desafio na televisão é mostrar todas as realizações e convencer o eleitor de quem já fez está mais capacitado para fazer mais ¿ diz José Eduardo Dutra, antecipando o tom da campanha.

Mas, no quesito discurso de campanha, o cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB), avalia que Serra sai na frente, já que o slogan ¿O Brasil pode mais¿ mostra que ele quer manter as conquistas e oferecer algo mais que os benefícios.

¿ Essa parcela do eleitorado emergente, que era pobre e virou classe média baixa, adquiriu também uma cabeça mais independente. A classe média é tradicionalmente conservadora e rejeita propostas como casamento gay e aborto ¿ avalia Fleischer, completando:

¿ Se eu fosse marqueteiro do Serra ou da Dilma, perguntaria a esse eleitor: o que você quer mais? Além de não cair para trás, ele vai dizer o que mais o fará feliz. O voto de cabresto é repudiado pelo emergente. Esse que chegou na classe média tem informação, emprego, e agora se agarra ao crédito consignado.

Preocupação com a migração da classe C

Aliados de Dilma não escondem a preocupação com a possibilidade de migração dos votos da nova classe C, principalmente em estados do Sudeste, para candidaturas de oposição.

¿ Identifico um movimento indicando que essas pessoas, agora de classe média, com acesso a computador, geladeira, TV, informação e outras coisas, se consideram livres para escolher seus candidatos, sem o compromisso com o voto nos apoiadores do governo Lula, que proporcionou grande parte dessas conquistas. Ele acha que já pagou votando em Lula e não tem mais obrigação de votar em Dilma ¿ diz o deputado Abelardo Camarinha (PSB-SP).