Título: Nova crise como legado para Santos
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Fonte: O Globo, 17/07/2010, O Mundo, p. 30
Colômbia vai à OEA, e Venezuela chama embaixador
BOGOTÁ e CARACAS
A apenas três semanas de concluir seu mandato, o presidente Álvaro Uribe deixa uma nova crise para seu sucessor e ex-ministro da Defesa, Juan Manuel Santos, resolver: a apresentação de vídeos e fotos de satélite que comprovariam a presença de guerrilheiros colombianos na Venezuela elevou novamente a tensão entre os dois países, que pareciam caminhar para a reaproximação com a mudança de governo em Bogotá. Depois de convocar seu embaixador para consultas, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, acusou Uribe de tentar torpedear a retomada da normalização das relações bilaterais, que estão congeladas. A Colômbia, por sua vez, pediu uma sessão extraordinária da Organização dos Estados Americanos (OEA) para discutir o assunto.
Na noite de quinta-feira, o ministro da Defesa colombiano, Gabriel Silva, reuniu um grupo de jornalistas para apresentar evidências de que líderes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e do Exército de Libertação Nacional (ELN) têm se refugiado na Venezuela. As imagens, que não puderam ser reproduzidas por se tratar de material de inteligência, mostravam integrantes do secretariado das Farc, como Iván Márquez, em acampamentos do outro lado da fronteira. O ministro acusou a Venezuela de tolerar a presença dos rebeldes.
"Durante seis anos, o governo colombiano manteve um diálogo paciente com o governo da Venezuela, ao qual, em várias ocasiões, deu informações sobre a localização de terroristas nesse território. Tudo foi infrutífero. Devemos pensar novamente em buscar as instâncias internacionais", dizia um comunicado da Presidência. A sessão extraordinária da OEA foi marcada para quinta-feira. No passado, a Colômbia já denunciou à OEA a fuga de terroristas para países vizinhos.
O chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, rejeitou as acusações. Maduro - que segundo as autoridades colombianas pode ter sido citado numa conversa filmada entre Márquez e Rodrigo Granda, um outro líder das Farc - entregou uma nota de protesto e acusou Uribe de decidir "fechar com chave de ouro seu trabalho de destruição na relação entre os dois países". O governo venezuelano informou estar analisando medidas diplomáticas e políticas a serem tomadas.
Chávez vê diferença no futuro governo
O presidente venezuelano reforçou as críticas. Em cadeia de rádio e TV, Chávez disse que a medida reflete "o desespero de Uribe, que está de saída" para impedir que os dois países voltem a estabelecer relações respeitosas. Ele chamou o presidente colombiano de mafioso e destacou as diferenças entre este e Santos, afirmando que espera manter melhores relações com o próximo governo.
- Já são evidentes as diferenças, porque Uribe quer continuar governando e Santos diz: "Não, agora o chefe sou eu" - disse Chávez. - A Venezuela está com as mãos abertas para receber o novo governo, mas estamos em alerta e esperamos que a extrema-direita esteja realmente de saída.
Após se reunir com chefes militares, Uribe não se referiu diretamente ao assunto, limitando-se a dizer que a Colômbia deve se livrar do terrorismo.
- Para vocês, as novas gerações de colombianos, desejamos que possam viver em paz - disse.
A acusação colombiana não é nova. Embora Uribe já tivesse se referido ao assunto, chama a atenção ter escolhido os últimos dias de seu governo para apresentar as provas. No dia 7, Santos assume a Presidência. Uribe e seu candidato haviam prometido uma transição tranquila, mas as diferenças de estilo entre os dois já aparecem. Enquanto o atual presidente se recusa a restabelecer relações diplomáticas de "maneira hipócrita" com os vizinhos, Santos já manifestou a intenção de normalizar o convívio com Caracas e Quito, abalado desde o ataque a um acampamento das Farc no Equador, dois anos atrás. Além disso, Santos já escolheu para seu Gabinete algumas pessoas que foram críticas de Uribe.
- Se não houver diálogo, como poderemos resolver esses problemas? - disse Santos, em visita a Miami, em referência à polêmica com a Venezuela.
O momento para a denúncia não poderia ser pior, afirmou o ex-presidente colombiano Ernesto Samper. Ele vê um claro propósito de Uribe de evitar que se produza um encontro entre Santos e Chávez. Santos, que vem de uma família de empresários e políticos, vê como crucial para o seu governo a retomada das relações. Elas estão congeladas desde o ano passado, após um acordo para o uso de bases militares colombianas por americanos, visto por Chávez como uma ameaça a seu país. O principal reflexo se sentiu na economia, com uma queda de 70% no comércio entre os dois países, e uma redução de US$2 bilhões nas exportações colombianas. Mas Uribe parece que não vai deixar o governo de maneira silenciosa.
Em Washington, o Departamento de Estado disse estar preocupado com as denúncias e afirmou que a Venezuela é obrigada pela ONU a negar o uso de seu território a terroristas.