Título: Obama lança bases de novo sistema
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Fonte: O Globo, 21/07/2010, O País, p. 6

A explosão, em fins de 2008, da bolha inflada no mercado de hipotecas americano ganha destaque nos compêndios de história econômica, por ter deflagrado uma crise nas dimensões da Grande Depressão da década de 30. Só não produziu os mesmos efeitos em termos de desemprego e ruína porque economistas e homens públicos aprenderam com os erros cometidos naquele tempo. Como toda bolha é, em última instância, financeira - mesmo que o lastro sejam tulipas, como na Holanda do Século XVII -, dos escombros da hecatombe costuma sair uma nova regulação bancária. Na década de 30, criaram-se limitações, ao ponto de banco de uma região não poder atuar em outra. Com o passar do tempo e os ventos desreguladores de Reagan e Clinton, somados ao avanço nas comunicações, o sistema financeiro americano conglomeralizou-se - como, de resto, no mundo - e conduziu o processo de globalização das finanças.

Muitos novos "produtos" foram desenvolvidos para diluir riscos e ampliar as oportunidades de ganhos. Depois do estouro, entrou em moda demonizar-se o sistema, sem ser lembrado que foi este mesmo sistema financeiro que permitiu o mais longo e sincronizado ciclo de expansão mundial de que se tem notícia. Sem o abundante fluxo de capitais pelo planeta, centenas de milhões de euroasiáticos não teriam saído da miséria, nem o Brasil conseguiria resgatar a dívida externa ao vender commodities para o exterior.

Coube ao presidente Barack Obama a tarefa de aprovar nova regulação financeira, a mais importante desde aquela da década de 30. E conseguiu, apesar dos US$600 milhões gastos pelo lobby de Wall Street, contrário aos apertos nos controles.

A Lei Dodd-Frank, nomes dos parlamentares que encaminharam a proposta, preenche mais de duas mil páginas, e ainda terá várias regulamentações. Considera-se, seja como for, que tenha atingido pontos nevrálgicos da questão: transparência nas operações com derivativos, defesa dos clientes, aumento na supervisão das instituições financeiras por parte do governo, e defesa do dinheiro do contribuinte (recursos dos bancos garantidos por seguro público não podem ser aplicados na especulação).

Se o estancamento abrupto do crédito, em setembro de 2008, levou o mundo a uma recessão instantânea, com duros reflexos no Brasil, o sistema financeiro nacional, por sua vez, sofreu apenas arranhões. Explica-se: há muito tempo o Banco Central brasileiro já exerce funções de vigilância que só agora o americano Fed assumirá; além disso, o nosso sistema já funcionava há tempos dentro dos limites sensatos de alavancagem financeira estabelecidos pelo Acordo da Basileia - não assinado pelos Estados Unidos. Outra grande vantagem brasileira foi, e é, contar com um sistema bancário saneado. Com a crise decorrente do fim da superinflação, em meados da década de 90, foi lançado o Proer, para recuperar instituições quebradas, sem tirar a responsabilidade de proprietários e diretores. Ao mesmo tempo, privatizaram-se bancos estaduais, verdadeiras "casas da moeda" de governadores e alguns prefeitos. O PT foi radicalmente contra. Anos depois, teria de reconhecer o êxito daquela política, reafirmado na crise mundial.