Título: A guerra deu a Bin Laden a sua jihad iraquiana
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 21/07/2010, O Mundo, p. 30

Ex-chefe da espionagem britânica aponta falhas na decisão de invadir país

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ELIZA MANNINGHAM-Buller: depoimento devastador

Oex-primeiro-ministro Tony Blair recebeu ontem um duro golpe em sua biografia. Num contundente depoimento para o Inquérito Chilcot, que investiga a participação do Reino Unido na invasão do Iraque, a ex-diretora do MI5 Eliza Manningham-Buller ofereceu um parecer devastador dos efeitos colaterais da operação militar tão defendida por Blair, ao dizer que a guerra foi responsável pela radicalização de uma geração de jovens muçulmanos. Além disso, Manningham-Buller ¿ que comandou a principal agência de inteligência para assuntos internos do país entre 2002 e 2007 ¿ pôs em dúvida um argumento-chave de Blair para convencer os britânicos da necessidade da invasão: a suposta ameaça do ditador Saddam Hussein à segurança internacional.

No depoimento, ela enfatizou, ainda, a brecha que a derrubada de Saddam abriu para a entrada de grupos terroristas, em especial a al-Qaeda, além de servir como arma de propaganda antiocidental. Ao minimizar o perigo que o ditador poderia representar para o resto do planeta, Manningham-Buller foi clara:

¿ Isso certamente não era uma preocupação minha ou de meus colegas a curto ou médio prazo. Mas a invasão certamente aumentou a ameaça terrorista ao Reino Unido, ao mesmo tempo em que deu a Osama bin Laden sua jihad iraquiana e deu ímpeto à visão extremista de que o Ocidente estava engajado numa guerra contra o Islã ¿ disse Manningham-Buller no depoimento, revelando, ainda que pelo menos 70 muçulmanos britânicos teriam viajado para o Iraque a fim de se alistarem na insurgência contra as tropas da coalizão.

Para a ex-diretora, também não foi surpresa que radicais muçulmanos britânicos estivessem por trás do atentado suicida ao sistema de transporte de Londres ¿ que há cinco anos matou mais de 50 pessoas e feriu centenas. Até porque ela já tinha discutido a questão da radicalização com o Ministério do Interior em 2004, quando o MI5 viu seu volume de trabalho aumentar de forma significativa por conta da operação militar: para detectar possíveis planos de ataques ao Reino Unido, o órgão pediu um reforço orçamentário de 100% em relação ao período pré-invasão.

¿ Recebemos uma série de informações sobre ameaças de ataques ao Reino Unido. A escala do problema foi tamanha que o governo não hesitou em atender aos pedidos de revisão orçamentária ¿ explicou ela.

Críticas à qualidade de parte da inteligência

A ex-chefe da espionagem interna também criou mais embaraços para Blair ao comentar a polêmica das informações de inteligência sobre a ameaça representada por Saddam. Embora fizesse parte do comitê que produziu o controverso dossiê com a informação de que o ditador tinha acesso praticamente imediato a armas de destruição em massa, ela alegou ter apenas fornecido informações ao órgão. Algo endossado por um documento secreto de 2002, divulgado pelo Inquérito Chilcot, em que Manningham-Buller afirma ao Ministério do Interior não haver ligações entre Saddam e os ataques do 11 de Setembro.

¿ Houve uma ênfase exagerada num certo tipo de inteligência não muito confiável.

O depoimento de Manningham-Buller reacenderá as especulações sobre uma possível segunda chamada para Blair no Inquérito Chilcot, que está em andamento desde novembro.

Em janeiro, o ex-premier passou por uma sabatina de seis horas em que disse não se arrepender da derrubada de Saddam e que ainda acreditava ter tomado as decisões corretas para a segurança doméstica e internacional. Também passaram pela bancada o sucessor de Blair, Gordon Brown, além de diversos ex-ministros e chefes militares.

Na época do início dos procedimentos, o inquérito foi alvo de críticas dos partidos de oposição devido à decisão do governo trabalhista de impor um direito de veto a trechos do relatório final das investigações, que só deverá ser publicado no início de 2011.