Título: Política monetária com sintonia fina
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Fonte: O Globo, 23/07/2010, Opinião, p. 6

Ainflação recuou fortemente nos dois últimos meses, anulando grande parte do impacto causado pela alta dos preços dos alimentos no início do ano. Assim como a aceleração dos índices no começo de 2010, a desaceleração é também explicada pela trajetória dos preços dos alimentos e dos biocombustíveis. Não há, por enquanto, indicações de a demanda global na economia brasileira estar diminuindo a ponto de causar uma deflação.

É claro que não se espera, daqui para a frente, que o consumo se comporte no mesmo ritmo do último trimestre de 2009 e dos primeiros três meses de 2010, quando os mercados ainda estavam reagindo aos estímulos fiscais e creditícios instituídos pelo governo durante a crise financeira mundial. Entretanto, como se pode observar nos dados de emprego e, principalmente, do setor de serviços, a demanda continuará se expandindo, por conta de investimentos em andamento no país.

Nesse cenário, a prudência recomenda uma política monetária mais restritiva, o que justifica a decisão do Banco Central de elevar, pela terceira vez consecutiva este ano, as taxas básicas de juros. Com as expectativas, e os próprios índices, de inflação voltando a se aproximar do centro da meta (4,5%) estabelecida pelo governo, fez sentido que o Comitê de Política Monetária (Copom) moderasse o ajuste nas taxas, optando por uma alta de 0,5 ponto percentual ¿ as dosagens anteriores foram de 0,75 ponto percentual. Embora esteja ainda distante do ideal, a economia brasileira já tem hoje um grau de abertura à concorrência externa que possibilita ao país conviver com níveis mais baixos de taxas de juros. Como do lado fiscal a contribuição para o combate à inflação é modesta (resume-se à manutenção do superávit primário nas contas públicas, pois o crescimento da receita é direcionado ao aumento de gastos), esses níveis mais baixos de taxas básicas de juros permanecem acima da média internacional, porém já sem a enorme diferença que havia antes.

Até que ponto as eleições de outubro estariam influenciando as decisões do Banco Central? É inevitável que haja esse tipo de especulação nos mercados financeiros e meios políticos, mas tudo indica que o BC tem se pautado em questões essencialmente técnicas. Até porque, mesmo que várias áreas do governo não escondam suas críticas à ação do BC, politicamente o presidente Lula tem a seu favor uma série estatística de inflação sob controle e taxas de juros cadentes.

Na prática, a política monetária não desgasta a atual administração, ao mesmo tempo que cria condições para o futuro presidente executar uma política econômica a fim de que as taxas de juros no Brasil caminhem rapidamente na direção da média internacional.

O importante é que o Banco Central tem se mostrado atento ao que está ocorrendo na economia mundial e aos riscos de pressões inflacionárias no Brasil. As reuniões do Copom em intervalos de seis semanas permitem ao BC corrigir os rumos da política monetária com sintonia fina.