Título: Multinacionais devem remeter mais lucros que investir no país em 2010
Autor: Gomes, Wagner
Fonte: O Globo, 23/07/2010, Economia, p. 33

Será a 1ª vez que isso ocorre, diz Unctad. Brasil cai no ranking de investimentos

SÃO PAULO. Relatório divulgado ontem pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) trouxe duas notícias ruins para o Brasil. Pela primeira vez na história do país, as remessas de lucros e dividendos vão superar a entrada de novos Investimentos Diretos Estrangeiros (IDE). A previsão do organismo é que as remessas somem entre US$32 bilhões e US$35 bilhões, enquanto o IDE deve chegar no máximo a US$30 bilhões em 2010. Isso é efeito da crise financeira internacional, que obrigou as empresas a aumentarem as transferências para cobrir prejuízos das matrizes.

A outra notícia é que o Brasil caiu quatro posições em 2009 no ranking dos países que mais receberam investimentos diretos, passando da 10ª para a 14ª posição. O país recebeu US$25,9 bilhões, o que correspondeu a uma queda de 42,4%. Essa variação ficou acima da queda do fluxo de IDE no mundo em 2009, de 34,4%, para US$1,1 trilhão.

País mantém a dianteira na América Latina

Ainda assim, o Brasil manteve a liderança na América Latina na atração de novos recursos produtivos. A Argentina recebeu em 2009 apenas US$4,9 bilhões, contra US$12,7 bilhões do Chile e US$12,5 bilhões do México.

No topo da lista global, aparecem os EUA (US$129,9 bilhões de investimentos) e logo a seguir a China (US$95 bilhões), que tomou o lugar da França.

¿ O efeito da crise, sentido por outros países já em 2008, foi mais forte no Brasil somente em 2009. Por isso, a queda dos investimentos foi maior no ano passado ¿ disse o presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), Luís Afonso Lima.

Para o presidente do conselho da Sobeet, Hermann Wever, além da crise financeira, o câmbio valorizado e a carga tributária elevada também provocaram queda no fluxo de investimento estrangeiro no Brasil. Ele disse que o maior prejuízo é o impacto negativo nas contas externas do país, já que o aumento do déficit em transações correntes não é compensado pela entrada de investimento estrangeiro.

Do ponto de vista estrutural, Lima apontou a ausência do Brasil no conjunto de países que assinaram tratados para proteger os investimentos. No mundo, nos últimos 10 anos, foram assinados 1.004 tratados.

¿ Até hoje o Itamaraty não deu uma explicação contundente sobre isso. As empresas estrangeiras se sentiriam mais seguras de investir no Brasil se assinassem um tratado ¿- disse.

Wever afirmou que o Brasil não só deixou de assinar tratados nos últimos 10 anos como também perdeu um que tinha com a Alemanha. Lima disse que os tratados são importantes porque várias empresas já enfrentaram problemas no exterior e tiveram acordos descumpridos, como a Petrobras, na Bolívia, e a Odebrecht, no Equador.

Segundo o levantamento da Unctad, a retração de fluxos de investimentos não foi uniforme no mundo. Em economias desenvolvidas, o recuo foi de 48%, enquanto para os países em desenvolvimento a queda, a primeira em seis anos, foi de 21%.

Emergentes receberão de 50% do fluxo global este ano

Houve redução de investimentos em todos os setores, mas na manufatura a queda foi maior (77%) do que no setor de serviços (57%) e no setor primário (47%). Entre os que tiveram aumento no fluxo de investimento estiveram os setores de energia elétrica, gás, saneamento, construção civil e telecomunicações, relacionados à infraestrutura.

Segundo a Unctad, as economias em desenvolvimento já respondem por 49,2% dos fluxos e a perspectiva é que em 2010 esse percentual ultrapasse 50% pela primeira vez. As empresas transnacionais latino-americanas estão sendo favorecidas por baixo endividamento e maior resistência à crise, diz o relatório.