Título: Uma crise, diferentes caminhos
Autor: Costa, Mariana Timóteo da
Fonte: O Globo, 25/07/2010, O Mundo, p. 40

Juan Manuel Santos herda, no próximo dia 7, uma Colômbia cuja situação interna lhe é bastante favorável. Eleito com uma histórica votação em junho, o futuro presidente contará com uma economia projetada para crescer em 2010, com maioria aliada na Câmara e no Senado, e com os melhores índices relacionados à segurança em mais de 40 anos. Resultado das políticas implementadas nos últimos oito anos pelo maior responsável por sua chegada à Presidência, Álvaro Uribe. Mas o mesmo Uribe que se despede do governo com mais de 70% de aprovação popular deixa para Santos um legado indigesto externamente. Resolver os acontecimentos da semana passada que culminaram com o raro rompimento, na História da América do Sul, entre dois países vizinhos, Colômbia e Venezuela talvez represente, segundo especialistas, o maior desafio para o governo Santos.

Ele não quer uma Venezuela furiosa

Tanto em Caracas quanto em Bogotá passando por Brasília e Washington parece haver um consenso de que a crise entre os governos colombiano e venezuelano, do presidente Hugo Chávez, precisa ser resolvida. E que as negociações deverão recomeçar do zero assim que Santos tome posse. As dúvidas são em que termos elas ocorrerão. Peter Hakim, presidente da Inter-American Dialogue, com sede na capital americana, aposta na capacidade diplomática do futuro presidente colombiano: Santos sabe que o conflito com Chávez isola a Colômbia regionalmente.

E que uma Venezuela furiosa não o ajudará no combate ao terrorismo e ao narcotráfico. Ao contrário de Uribe, Santos é pragmático, delega funções e investe na diplomacia.

Acho que precisará fazer o que pode até ser um sacrifício para ele: sentar e abrir um canal de comunicação com Chávez, exatamente como pregou durante sua campanha: um mal necessário.

Hakim, no entanto, vê a necessidade de o novo governo de Bogotá arrumar uma maneira de pressionar para que as acusações contra Caracas sejam investigadas. Isto, apesar de questionar e até discordar a decisão de Uribe de fazer as acusações de que o país vizinho abriga 1.500 guerrilheiros a apenas poucas semanas de deixar a Presidência da Colômbia, fato que levou Chávez a declarar o rompimento.

Talvez Santos possa oferecer apoio à Venezuela, já que o próprio Chávez diversas vezes declarou como é difícil vigiar a fronteira. Acho que atitudes como essa funcionariam melhor do que levar a crise ao Tribunal Penal Internacional (TPI), como o governo Uribe sugeriu.

Mas será que Chávez aceitaria colaborar com Santos? Depende, diz o ex-chanceler venezuelano Simón Alberto Consalvi, que ressalta a imprevisibilidade do líder da Venezuela. Às vésperas das eleições legislativas de 26 de setembro, Chávez enfrenta diversos problemas: seu país, ao lado somente do Haiti, é o único da América Latina cuja economia não crescerá em 2010. A taxa de inflação é a mais alta da região e a sociedade venezuelana, conhecida por manter índices de consumo elevados, já não encontra produtos de alimentos a cosméticos como antes para comprar. O desabastecimento nas prateleiras se deve, em grande parte, às más relações com o país vizinho. Apenas este ano, as exportações colombianas para a Venezuela, antes seu segundo maior parceiro comercial, depois apenas dos Estados Unidos, caíram 70%.

Apesar de isso ter afetado a economia da Colômbia, o país demonstra sinais de recuperação porque foi buscar novos parceiros, como a União Europeia (UE). Já os venezuelanos mergulharam numa crise de abastecimento, especialmente no setor de alimentos que deixaram de importar da Colômbia lembra Consalvi. Talvez Chávez, de olho em sua popularidade, pelas crises que enfrenta, leve isso em conta na hora de se reaproximar de Santos.

O ex-chanceler, no entanto, acha que a atitude de Santos em relação ao venezuelano será mais dura do que a mídia internacional anda dizendo.

Ele pode ter razão. Não se pode esquecer que Santos recebeu o voto de quase 70% dos colombianos porque representava continuidade na bem-sucedida política de segurança do governo de Álvaro Uribe. Mais: como ministro da Defesa do mesmo, entre 2006 e 2009, foi o arquiteto dos maiores golpes contra a guerrilha. Entre eles justamente aquele que intensificou a crise regional com a Venezuela e o Equador, em 2008: o ataque ao acampamento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) que matou um de seus principais líderes, Raúl Reyes, em solo equatoriano.

Santos precisa continuar sendo duro com as Farc. Afinal, com ou sem o Chávez, a Colômbia está ganhando a guerra. Não o vejo mudando radicalmente a sua postura, por mais que sua personalidade seja diferente da de Uribe acredita a senadora mais votada das últimas eleições colombianas, Gilma Jiménez, do Partido Verde, lembrando que, nesta questão que envolve guerra, terrorismo e narcotráfico, a oposição respalda em 100% a Presidência da República.

Atitude surpreende oposição em Bogotá

Jiménez conta que a oposição se surpreendeu com a atitude de Chávez de romper relações.

Esperávamos outra coisa: ou que ele respondesse às acusações ou que oferecesse ajuda para perseguir os criminosos. Mas ele minimizou e ridicularizou as provas. O rompimento entre os dois países, que já foram um só no passado, é triste. Mas a culpa maior é de Chávez opina a senadora.

Consalvi concorda: Santos já acenou para o diálogo, mas deve manter uma postura dura porque agora falta Chávez dar alguma coisa em troca. Ele poderia começar concordando que inspetores internacionais verifiquem as fronteiras de seu país. Acho que ele não terá outra saída.