Título: Os melhores inimigos
Autor:
Fonte: O Globo, 25/07/2010, O Mundo, p. 41

Eterno bate-boca acaba por beneficiar os dois

URIBE e Chávez se abraçam na inauguração de um gasoduto na Colômbia, em 2007: crise se acentuou em 2008

Mariana Timóteo da Costa

Ao lado dos Estados Unidos, o ¿império ianque¿, ¿o diabo¿, a Colômbia tornou-se, com Álvaro Uribe, o principal alvo do presidente Hugo Chávez na região. Mas se o governo de George W. Bush (2001-2009), e muito menos o atual de Barack Obama, nunca respondeu diretamente aos ataques verbais de Chávez, o líder venezuelano tem em Uribe seu ¿melhor inimigo¿, assinalam analistas, que já especulam: quem fará guerra verbal com Chávez, depois de Uribe deixar o governo no dia 7? O venezuelano, além de ameaçar entrar em guerra com a Colômbia, já mandou seu presidente ao ¿inferno¿, xingou-o de ¿covarde¿, ¿mentiroso¿, ¿mafioso¿, ¿peão do império¿, ¿imperialista tropical¿. O colombiano rebateu à altura, chamando Chávez de ¿covarde¿ e mandando-o ¿ser homem¿. Retórica que, de acordo com Peter Hakim, da Inter-American Dialogue, fortalece os dois internamente.

¿ Esta nova crise mostra claramente isso. Uribe acusou a Venezuela de manter laços com a guerrilha para marcar sua posição, mostrar que ele ainda manda na Colômbia. Chávez respondeu exageradamente, rompendo relações com o vizinho porque ele sabe que isso pode favorecê-lo tanto em relação à atual crise econômica quanto nas eleições legislativas de 26 de setembro.

Segundo Hakim, faz parte da História ¿ especialmente na América Latina ¿ líderes de força atraírem uma mobilização nacional maior quando seu país está em conflito com outro, e Chávez é ¿mestre em desviar a atenção do debate político¿.

¿ Se ele perde a maioria na Assembleia Nacional, pode usar o conflito, aí já com o novo presidente Juan Manuel Santos, para se reafirmar como estadista, tirando a atenção de problemas internos.

Só que dificilmente Santos cairá em bate-boca semelhante ao Chávez-Uribe, acredita o ex-chanceler venezuelano Simón Alberto Consalvi.

¿ Santos é mais sério, um oligarca, representante da elite de Bogotá, será um inimigo mais difícil para Chávez porque os dois são muito diferentes. Uribe foi um inimigo fácil, até mesmo por conta da sua proximidade com os EUA odiados por Chávez. Santos defende um governo mais multilateral. Chávez tem muitos amigos na região. Realmente não sei para onde ele apontará a mira.

A relação de amor e ódio ¿ sim, houve algumas tentativas de reaproximação e elogios mútuos, até 2009, quando a crise acentuou-se de vez ¿ se deve, acredita muita gente em Caracas e Bogotá, ao fato de Uribe e Chávez terem muitas semelhanças. Apesar de defenderem projetos para seus países que não poderiam ser mais diferentes e entre os quais não existe qualquer possibilidade de conciliação ideológica.

No poder desde 2002, Uribe tentou, mas não conseguiu, concorrer a um terceiro mandato nas eleições deste ano. Chávez governa a Venezuela desde 1999 e foi eleito presidente três vezes. Além disso, graças a manobras políticas, referendos e mudanças na Constituição, hoje pode disputar eleições presidenciais para mandatos de seis anos, indefinidamente.

Ligados ao campo mais do que às grandes cidades, os dois governantes são líderes carismáticos e midiáticos. Nas ruas e num linguajar popular, conversam com o povo, ouvem seus problemas, prometem resolvê-los. Se Chávez fica horas no ar, aos domingos e em cadeia nacional, com seu ¿Alô Presidente¿, Uribe tem um programa semelhante em que, aos sábados, percorre os quatro cantos da Colômbia para conversar com a população. Os dois usam o Twitter e outras mídias sociais para se comunicar.

No início de seu governo, Uribe convidou Chávez para mediar as negociações com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Desistiu em 2007, e o processo se transformou numa crise regional a partir de 2008, com o ataque colombiano a um acampamento das Farc no Equador. Em 2009, Chávez reduziu ao mínimo as relações, por discordar da presença de bases americanas na Colômbia. O bate-boca deve continuar até o dia 7.

¿ Uma pena que a Colômbia, por quem tenho tanto carinho, tenha virado fantoche do capitalismo ¿ lamentou Chávez, certa vez.