Título: Doses perigosas
Autor: Marinho, Antônio
Fonte: O Globo, 25/07/2010, Ciência, p. 45

Desenvolvimento de drogas infantis tem falhas, alertam médicos

Uma revisão de 146 estudos para o desenvolvimento de novos medicamentos para crianças ¿ todos publicados em conceituadas revistas pediátricas internacionais entre 2007 e 2008 ¿ deixou em alerta médicos e pais. Análise de pediatras da Universidade americana Johns Hopkins ¿ uma das mais prestigiadas do mundo ¿ constata que 40% a 60% dessas pesquisas têm falhas e, principalmente, não levaram em conta possíveis desvios ou distorções nos resultados. O erro foi mais frequente nos trabalhos financiados por laboratórios e fabricantes de produtos médicos.

Os dados da Johns Hopkins, divulgados na revista ¿Pediatrics¿, chamam a atenção para um problema grave: crianças podem estar tomando fármacos não estudados e testados corretamente. A ideia não é disseminar o pânico nem fazer com que os pais deixem de medicar seus filhos, mas abrir o debate sobre a necessidade de maior controle na pesquisa.

¿ Há milhares de ensaios pediátricos acontecendo e dados distorcidos são um risco. Precisamos reforçar a vigilância na forma como eles são realizados e concluídos ¿ diz Michael Crocetti, da Jonhs Hopkins.

Um estudo em revista médica indexada influencia no tratamento. Se for mal concebido, leva a conclusões errôneas sobre a eficácia de um fármaco ou procedimento. Crocetti e outros especialistas recomendam que, ao ler um ensaio clínico, os pediatras evitem se concentrar na conclusão. O mais importante é fazer duas perguntas: ¿Como os autores chegaram ao resultado final e se eles foram imparciais¿. Os trabalhos financiados pela indústria farmacêutica foram seis vezes mais propensos a falhas do que as pesquisas com apoio de órgãos de governo ou sem fins lucrativos, disseram os pediatras da Johns Hopkins.

¿ O financiamento da indústria farmacêutica é um motor importante no avanço científico, mas é fundamental que os pesquisadores que participam desses ensaios assegurem que eles foram executados com todos os cuidados e levando em conta as distorções, os desvios. E que tudo será relatado de forma transparente ¿ diz Crocetti, que defende o registro das pesquisas em domínio público, o que obriga os autores a tomarem todas as precauções.

O pediatra Joaquim Antônio Cesar Mota, professor da disciplina de bioética na pós-graduação em saúde da criança e do adolescente na UFMG, concorda:

¿ Boa parte dos ensaios tem dados inexatos por erros de metodologia ou, o que é pior, de forma intencional. Há cientistas que apagam dados que não favorecem o estudo.

Todas as pesquisas têm desvios e alguns são inevitáveis, porém isto precisa estar claro, diz Mota, principalmente nos casos de crianças e gestantes, os chamados órfãos de pesquisas, já que há muitas restrições a ensaios com esses grupos. Ele acrescenta que os pediatras não se devem deixar seduzir por artigos científicos e receitarem drogas só porque acabaram de ser lançadas.

¿ Diante de um novo medicamento, o pediatra precisa se perguntar, por exemplo: será que esse novo fármaco é melhor que outro que uso? Deve-se evitar excessos. Hoje qualquer criança com transtorno de déficit de atenção toma ritalina, parente próximo da cocaína ¿ comenta.

Os pais devem questionar qualquer novidade em relação a medicamento ou procedimento:

¿ Nem tudo que é novo melhora. O pediatra tem que estar fundamentado para explicar porque resolveu trocar um fármaco. E os pais desconfiarem de receitas com mais de duas drogas.

Também o pediatra Arnaldo Pineschi, coordenador da Comissão de Bioética do Cremerj e da Sociedade Brasileira de Pediatria, lembra que é difícil encontrar estudos falando mal de medicamento, e, portanto, é preciso cuidado, especialmente na infância. Ele diz que hoje há maior segurança para crianças em protocolos de pesquisa no Brasil. Uma boa dica para os pais é saber se o ensaio tem a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (Conep). Dependendo da idade, a criança ou adolescente é consultado sobre a participação. Isto está previsto no Código de Ética Médica.

¿ O aval do Conep dá uma certa segurança. O Brasil foi contra a mudança na Declaração de Helsinque, um conjunto de princípios éticos que rege a pesquisa com seres humanos, que autorizou a comparação de drogas novas com placebo. Se você compara uma substância nova com nada, fica mais fácil aprovar a droga, mas fomos voto vencido. Mesmo assim o Conselho Federal de Medicina diz que ensaio comparando fármaco novo a placebo não tem valor.