Título: Por uma nova Lei Sarney
Autor: D'Amaral, Teresa Costa
Fonte: Correio Braziliense, 25/06/2009, Opinião, p. 33

Superintendente do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência

Começa a tramitar no Congresso o projeto de lei que aperfeiçoa a legislação atual sobre o tema das pessoas com deficiência. O PLS 112/06, do senador José Sarney (PMDB-AP), está em discussão na Comissão de Constituição e Justiça, onde aguarda audiência pública e o voto da senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO) sobre sua constitucionalidade. Depois passará pela Comissão de Direitos Humanos, para análise do mérito, e continuará seu caminho até a sanção pelo presidente da República.

Completa 20 anos em outubro a Lei 7853/89, considerada exemplar pelo movimento das pessoas com deficiência, por conselhos e órgãos de governo e resultado de projeto enviado ao Congresso em 1988 pelo então presidente Sarney, quando fui responsável pela política de seu governo voltada para as pessoas com deficiência.

A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência teve no presidente Sarney um de seus apoiadores ainda em 2000, por meio de gestões para que o Brasil liderasse sua criação. O PLS 112/06 ¿ como a Constituição de 1988, a Lei 7853 e a Convenção ¿ entende que o trato das questões das pessoas com deficiência implica adotar uma abordagem de direitos, de diversidade, de inclusão, de abertura da sociedade e de adoção de políticas públicas.

Procurei-o há alguns anos para lhe propor esse novo projeto. No PLS 112/06 estão expressos seu compromisso político exemplar e único com a nossa causa, minha experiência pessoal e de todos que fazem comigo o Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD).

A Lei 7853, avaliada em pesquisa do International Disability Rights Monitor como a melhor das Américas, é infelizmente a menos aplicada. Temos uma legislação avançada, mas não há, salvo exceções que confirmam a regra, a menor preocupação do Estado brasileiro com o tema nem a menor intenção de estabelecer políticas públicas eficazes voltadas para a cidadania e a inclusão social das pessoas com deficiência.

O conjunto de legislação sobre o tema, a Lei 7853, a lei de acessibilidade, a lei de cotas, dentre outras, age integradamente, sem criar ordenamento jurídico paralelo, mas é importante aperfeiçoarmos a legislação atual para obtermos mais efetividade em sua aplicação. Com esse objetivo, o projeto apresenta significativas propostas de inovação, resultado de trabalho realizado com as equipes do senador Sarney e do senador Flavio Arns, com assessores do Senado e com membros do IBDD.

Inovador, o projeto propõe a criação de percentual de 3% em cargos públicos e determina a sua implementação em planos com prazo de até 10 anos. No momento, não há regra para absorção de pessoas com deficiência em empregos públicos. Há, entretanto, percentual de 5% a 20% nos concursos públicos, mas, diante da constatação de que essa reserva nem em 100 anos possibilitaria chegar a um percentual significativo de pessoas com deficiência trabalhando na função pública, o PLS 112/06 propõe concursos específicos para pessoas com deficiência, a fim de agilizar essa vertente de empregabilidade.

Quanto à lei de cotas para o emprego em empresas privadas, o projeto prevê a uniformização dos percentuais em 3% para todas as empresas com mais de 100 empregados. Essa proposta baseia-se na realidade de que as pequenas e médias empresas são as que mais empregam em nosso país, e desse modo estaremos disponibilizando maior número de empregos.

A possibilidade de a terceirização de mão de obra de pessoas com deficiência por organizações de luta contar para o cumprimento da cota pelas empresas tomadoras resulta da observação de um mundo em que, nas médias e grandes empresas, a terceirização é uma realidade a ser encarada com o rigor das leis trabalhistas e não com a desproteção do emprego informal. Ainda quanto ao trabalho, e para enfrentar a falta de acesso à profissionalização, o projeto propõe a realização da cota por meio de investimentos de empresas em serviços de preparação profissional.

O PLS 112/06 também reafirma obrigações esquecidas do Sistema Único de Saúde (SUS). Hoje ainda, para se ter uma prótese ou um atendimento de reabilitação de qualidade, na grande maioria do país, é preciso recorrer à Justiça ou à caridade. Quanto à educação, reafirma a educação inclusiva e a necessidade de recursos humanos especializados.

Para a acessibilidade, fator determinante do direito de ir e vir, o projeto propõe a proibição de licenciamento de veículos não acessíveis para transporte coletivo. O Brasil mudou nesses 20 anos, já poderíamos ter avançado muito na construção de um país mais justo para as pessoas com deficiência, mas ainda há tempo.