Título: O melhor é ser o preparador físico
Autor: Filippi Jr., José de
Fonte: O Globo, 25/07/2010, O País, p. 4

SÃO PAULO. Jazzista amador, político e engenheiro, José de Filippi Jr., 53 anos, conversa emulando o conceito musical: alterna assuntos, ideias e velocidade como se fossem melodias, harmonias e compassos. Gesticulando muito, o tesoureiro da campanha de Dilma Rousseff (PT) acrescenta pitadas humorísticas e gargalha ao falar de projetos de arrecadação, mas franze a testa para discorrer sobre o caixa dois da política brasileira e sua função na era pósDelúbio Soares, ex-tesoureiro envolvido no mensalão.

Três vezes ex-prefeito de Diadema, ex-bolsista de Harvard e candidato a deputado federal, o petista relutou em conceder entrevista. Ele se compara ao preparador físico de uma equipe de arrecadação acha melhor não aparecer e diz que o deputado Antonio Palocci (PT-SP) é o técnico. Filippi recebeu O GLOBO na quintafeira na AFC3, sua empresa de engenharia que ele se esqueceu de declarar à Justiça Eleitoral. A entrevista foi complementada na sexta-feira por telefone.

Filippi revelou como trabalha o comitê de arrecadação, que acumula R$ 10 milhões, dos R$ 157 milhões orçados.

Ele estima que o sistema de arrecadação pela internet estará no ar na primeira semana de agosto. Sua meta é conseguir pelo menos dez mil doadores, um primeiro passo para o que considera o sistema ideal de financiamento de campanha, popular e pulverizado

Leila Suwwan

O GLOBO: Como é o seu contato com a Dilma?

JOSÉ DE FILIPPI JR.: Já tivemos duas, três reuniões. Ela tem um jeito de que eu gostei.

Levei um orçamento de campanha de R$ 175 milhões e ela achou muito. Falou: Não. Corta.

Acho que vai ser uma presidenta muito austera.

O que é o mais caro numa campanha?

FILIPPI: O material de divulgação: gráfica, cartazes, placas, minidoor, todo material de divulgação da imagem e da proposta. Dá mais de 40%. A TV vem em segundo, com 20% a 25%. Depois, os contratos de terceiros, gastos jurídicos, de pesquisas, atividade de apoio dos comitês. E tem o transporte, que é pesado: dela, do vice Michel Temer e do presidente Lula. Vamos pagar o transporte dos três. O presidente, quando fizer campanha, vamos repor (o valor) ao Tesouro.

Isso deve ficar em 10% (R$ 15 milhões).

Um acerto e um er ro da campanha de Lula de 2006?

FILIPPI: O erro do passado foi acreditar que pudéssemos arrecadar muito de forma descentralizada e com muita gente participando.

A gente fez contato com mais de seis mil empresas.

Só 5% contribuíram. É um erro e uma frustração que tenho. Vamos mudar isso. Para os 5% que contribuíram, vamos mandar uma carta de amor (risos). É assim: Procuramos você para pedir dinheiro para o presidente Lula e você contribuiu. Olha o que aconteceu com o Brasil. Hoje o Lula tem 85% de aprovação e você faz parte desse projeto.

Obrigado. Agora, se você ainda não contribuiu, vamos contribuir para a Dilma! (risos). Para os outros 95%, a cartinha é: A gente chamou você para contribuir e você não aceitou. Mas olha o que aconteceu com o Brasil. Temos certeza de que você lucrou com esse ambiente.

Estamos dando uma nova chance a você. Quer ajudar?.

E o acerto da campanha?

FILIPPI: A gente procurou fazer da melhor maneira possível os registros e as contas. E a Justiça Eleitoral aprovou. Controlamos.

Tive um papel que o presidente Lula me confiou.

Sobre esse papel, existe ainda um peso no ar, de ser um tesoureiro do PT pós-Delúbio?

FILIPPI: Olha (franze a testa), conheço o Delúbio, respeito muito ele. Acho que foi uma vítima desse sistema todo que temos aí. É uma pessoa de boa fé e foi levado a essa situação.

Foi uma coisa dramática. Evidente que não vou entrar no mérito e julgar. Sua pergunta vem de uma situação da qual ele passou a ser o símbolo, de uma coisa mal cuidada. No meio político, quando você pergunta quem mexe no dinheiro, já é motivo para acabar com amizades e confianças.

Quando tem dinheiro no meio, tem problema até de marido e mulher. É assunto explosivo.

Foi traumático na política

FILIPPI: O problema ganhou uma dimensão de notoriedade e de exposição na mídia. A sessão da CPI tinha mais audiência que novela. Olha, eu nem queria dar entrevista. Minha visão é a seguinte: você sabe quem foi o preparador físico da seleção brasileira?

Não.

FILIPPI: O melhor para um tesoureiro é ser o preparador físico.

Você nem sabe o nome dele.

Mas o que ele faz é essencial.

E qual é o papel do ex-ministro Antônio Palocci? Em todos os lugares, o nome dele tem o mesmo aposto: arrecadador no meio empresarial.

FILIPPI: Não sei se estão dando um sentido pejorativo ou atribuindo qualidade. Preciso muito do Palocci. Um está sempre ajudando o outro.

Tem uma seleção? E o Palocci é o técnico?

FILIPPI: Ele é o técnico. Tem candidato que ajuda e tem três pessoas da minha equip e . Estão ajudando o Zé Eduardo Cardozo (deputado), o Zé Eduardo Dutra (presidente do PT) e o Pimentel (Fernando Pimentel, ex-prefeito de BH). Temos um nível de confiança entre nós.

Muitos políticos já opinaram que o caixa dois é um fato conhecido, mas é velado, tabu.

FILIPPI: É. Eu sei que tem. Mas não uso. Pronto. Acabou. Nossa campanha não vai usar. Não vou buscar, usufruir ou adotar. Se o cara quiser oferecer, vou falar: Não aceito, obrigado. Mas isso que você falou é verdade.

Os empresários que oferecem isso querem fugir do holofote?

FILIPPI: Basicamente é isso.

Por causa de vocês. Querem fugir disso.

É essa a única razão?

FILIPPI: Não, lógico que não.

Não há muitos inventos nessa história. Ele quer transformar uma relação que é pública em uma relação pessoal. Isso é uma deturpação da política

Quanto já foi arrecadado?

FILIPPI: Recebemos umas 20 doações até agora

Volumosas?

FILIPPI: Não muito. Estamos chegando a R$ 10 milhões

Há facilidade?

FILIPPI: Desconfio que meu amigo José Gregori (tesoureiro de José Serra) está tendo mais problema (risos). Percebo que os empresários também acham que a Dilma vai ganhar.

O povão acha que ela já ganhou. Mas os empresários estão desconfiados disso e alguns estão esperando as pesquisas de agosto (risos).

Para apostar só no cavalo vencedor?

FILIPPI: Ahhh... grande parte.

Deviam apostar mais na democracia (risos)! Agora aconteceu algo que não aconteceu na campanha do Lula: gente ligando para doar. Já foram três empresas.

Pensei que fosse trote.

E a arrecadação na internet?

FILIPPI: Até quarta-feira espero ter o projeto aprovado e vamos ver se começa a funcionar na primeira semana de agosto. Em termos de valor, é um ambiente escuro. Espero que sejam mais de dez mil pessoas.

Tivemos menos de três mil doadores, no total, na campanha do Lula. Se passar de dez mil, vai ser um grande avanço. E se for cem mil, ah, não quero nem falar!