Título: Quem assa o planeta?
Autor: KRUGMAN, PAUL
Fonte: O Globo, 27/07/2010, Opinião, p. 7

Nunca diga que os deuses não têm senso de humor. Aposto que eles ainda estão rindo no Olimpo sobre a decisão de tornar o primeiro semestre de 2010 ¿ o ano em que morreu a esperança de uma ação para combater a mudança climática ¿ o período mais quente de que se tem registro.

É claro que não se pode inferir tendências nas temperaturas globais a partir da experiência de um ano. Mas ignorar este fato tem sido há muito um dos truques favoritos dos que negam a mudança no clima: eles apontam um ano incomumente quente no passado e dizem: ¿Vejam, o planeta tem esfriado, não esquentado, desde 1998!¿. Na realidade, 2005, não 1998, foi o ano mais quente até hoje.

Mas acha que algum dos que negam o aquecimento dirão ¿OK, eu estava errado¿ e passarão a apoiar uma ação em benefício do clima? Não. E o planeta continuará a cozinhar. Então, por que a legislação sobre mudança climática não passou no Senado? Vamos falar primeiro sobre o que não causou isso, pois tem havido muitas tentativas de jogar a culpa nas pessoas erradas.

Em primeiro lugar, não deixamos de agir devido a dúvidas científicas legítimas. Todas as evidências válidas ¿ médias de longo prazo de temperaturas, volume de gelo no Ártico, derretimento de geleiras, proporção entre altas e baixas recordes ¿ apontam para um contínuo aumento das temperaturas globais.

Essas evidências tampouco foram maculadas por mau comportamento científico. Você provavelmente soube das acusações contra pesquisadores climáticos ¿ alegações sobre dados fabricados, e-mails comprometedores do ¿Climagate¿ e assim por diante. O que você não deve saber, porque recebeu publicidade muito menor, é que todos esses supostos escândalos foram desmascarados como uma fraude tramada por oponentes da ação sobre o clima.

Preocupações razoáveis sobre o impacto econômico da legislação sobre o clima bloquearam a ação? Não. Tem sido engraçado observar conservadores, que enaltecem a flexibilidade e o poder ilimitado dos mercados, e insistir que a economia entraria em colapso se impusermos um preço ao carbono. Todas as estimativas sérias sugerem que poderíamos adotar pouco a pouco limites para emissão de gases-estufa com, no máximo, um pequeno impacto na taxa de crescimento da economia.

Então, se não foi a ciência, os cientistas ou os economistas que abortaram a ação sobre a mudança climática, quem ou o quê foi? Os suspeitos usuais: mesquinharia e covardia.

Se quiser entender a oposição à ação climática, siga o dinheiro. A economia como um todo não seria significativamente atingida se puséssemos um preço no carbono, mas certas indústrias ¿ sobretudo a do carvão e do petróleo ¿ seriam. Essas indústrias montaram uma enorme campanha de desinformação para proteger seus negócios.

Olhe os cientistas que questionam o consenso sobre mudança climática; olhe as organizações que proclamam escândalos falsos; olhe os núcleos de estudo para os quais qualquer esforço para limitar as emissões aleijariam a economia. Verá que estão na ponta do recebimento de um duto de dinheiro que começa nas grandes companhias energéticas, como a Exxon Mobil, que gastaram milhões de dólares para promover a negação da mudança climática, ou Koch Industries, que patrocina há duas décadas organizações contrárias ao meio ambiente. Ou olhe os políticos mais vociferantes contra a ação climática. Onde eles obtêm a maior parte do dinheiro gasto em campanhas? Você já sabe a resposta.

Por si só, a mesquinharia não teria triunfado. Precisou da ajuda da covardia ¿ acima de tudo de políticos que sabem quão grande é a ameaça do aquecimento global, que apoiaram a ação no passado, mas desertaram no momento crucial. Cito um, em particular: o senador John McCain.

Houve um tempo em que McCain era considerado amigo do meio ambiente. Em 2003, ele poliu sua imagem de dissidente ao copatrocinar um projeto que criaria um sistema de limites para as emissões poluentes. Ele reafirmou o apoio a esse sistema em sua campanha presidencial e as coisas poderiam estar diferentes hoje se ele continuasse a fazê-lo. Mas não o fez ¿ e é difícil não ver na mudança o ato de um homem disposto a sacrificar princípios, e o futuro da humanidade, para ganhar alguns anos a mais em sua carreira política.

PAUL KRUGMAN é jornalista.

© The New York Times