Título: A corrupção na agenda da PM
Autor: Schmitt, Luiz Gustavo
Fonte: O Globo, 29/07/2010, Rio, p. 16

Corporação faz peça sobre o problema e prende mecânico por oferecer suborno

OS CABOS Roberto Almeida (à esquerda) e Mauro de Sousa em frente à delegacia para onde levaram o mecânico Walter Darllan (no detalhe), que tentou suborná-los para não ter o carro rebocado

Depois que veio à tona a acusação de Roberto Bussamra, pai do atropelador do filho da atriz Cissa Guimarães, contra dois policiais militares que teriam cobrado R$10 mil para não registrar o crime, o debate sobre a corrupção entrou de vez na agenda da PM. Ontem à tarde, 200 oficiais assistiram a uma peça de teatro para aprender, com a arte, como enfrentar a corrupção. E mais: a Corregedoria da Polícia Militar criou uma página na internet (http://www.policiamilitar2.rj.gov.br/clique_denuncia.asp) para receber denúncias de desvios de conduta de seus policiais. Isso tudo para que casos como o dos cabos Roberto Almeida, de 41 anos, e Mauro de Sousa Gomes Júnior, de 34, deixem de ser uma exceção para se tornarem a regra. Os dois PMs prenderam, por volta das 7h30m de ontem, por tentativa de suborno, o mecânico Walter Darllan Pires dos Santos, de 26 anos, que se envolveu num acidente com um caminhão na Avenida Brasil, sentido Centro, na altura do Mercado São Sebastião, na Penha.

Mecânico ofereceu R$ 70 aos PMs

Walter estava num Monza quando os policiais, do Batalhão de Polícia Rodoviária, chegaram para fazer o boletim de ocorrência. O mecânico não estava com o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV) e só tinha o recibo de compra e venda do automóvel ¿ mesmo assim, em branco. Para que o carro, sem vistoria desde 2005, não fosse apreendido, Walter perguntou aos policiais se não seria possível ¿deixar um café¿.

A conversa foi gravada, com o celular, por um dos PMs. No áudio, o policial diz ao mecânico que o Monza vai ser encaminhado a um depósito do Detran e será liberado com o pagamento de uma multa. Walter, no entanto, oferece um suborno de R$70 e recebe voz de prisão.

O acusado, que já tinha passagem pela polícia por porte ilegal de arma, foi levado para a 38ª DP (Irajá) e autuado por corrupção ativa. Se a Justiça der autorização, ele poderá ser liberado com o pagamento de fiança. Em caso de condenação, a pena vai de dois a 12 anos de reclusão. Se for até quatro anos, o acusado pode receber uma pena alternativa. O mecânico será levado hoje para a Polinter da Praça Mauá.

Em depoimento na delegacia, Walter confessou a tentativa de suborno e reconheceu a voz na gravação ¿ que será anexada ao inquérito ¿ como sendo a sua. Ele disse também que ofereceu R$70 aos policiais, mas só tinha R$65 na carteira.

Os cabos Roberto e Mauro contaram que, em três meses, essa foi a quarta tentativa de suborno sofrida por eles ¿ e a sétima em dois anos. Os policiais, cujo salário é de cerca de R$1.300, preferiram não comentar o caso dos PMs acusados de pedir propina para liberar o filho de Cissa Guimarães. Para Roberto e Mauro, no entanto, o comportamento adotado por eles ontem no caso do mecânico serve de exemplo.

¿ Não é a primeira vez (referindo-se à tentativa de suborno), nem será a última. Estamos aqui para orientar e defender a população. Que isso sirva de exemplo para toda a sociedade ¿ disse o cabo Mauro, há oito anos na polícia.

Segundo o cabo Roberto, receber oferta de propinas é parte do cotidiano dos policiais:

¿ A minha profissão e a minha índole não têm preço. Vou continuar agindo dessa forma.

O presidente do Clube de Cabos e Soldados, tenente Jorge Lobão, disse que os integrantes da corporação com desvios de conduta não chegam a 3% do total e não maculam a imagem da instituição:

¿ A honestidade não é exceção na polícia. Ao contrário, é a regra. Parabenizo esses dois cabos, que prenderam o infrator. Normalmente, os policiais só advertem os infratores nesses casos, sem levá-los para a delegacia, já que esse tipo de caso é rotineiro.

Opinião contrária tem Roberto Romano, professor de ética pública e filosofia política da Unicamp. Ele afirmou que a a polícia é uma instituição em crise e isso se reflete no comportamento de seus integrantes.

¿ A situação chegou a tal ponto que quem se depara com um policial honesto leva um susto. O que deveria ser a regra se tornou exceção.

oglobo.com.br/rio