Título: O drama mexicano
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Fonte: O Globo, 29/07/2010, Opinião, p. 7
No mês passado, 303 pessoas foram assassinadas na cidade mexicana fronteiriça de Ciudad Juarez, que fica ao lado de El Paso (Texas). Este mês, três homens foram mortos por um mecanismo sofisticado ¿ um carro-bomba acionado por controle remoto ¿, o primeiro na guerra das drogas mexicana. Numa cidade de 1,2 milhão de pessoas, mais de 2.600 morreram de forma violenta em 2009; cerca de duzentas mil podem ter fugido de lá.
Enquanto isso, em Washington, o Escritório de Contabilidade do Governo listou uma série de promessas dos EUA ao México desde 2008, até agora não cumpridas: pelo menos onze helicópteros Black Hawk e Bell, quatro aviões de patrulha marítima, aviões de inteligência, reconhecimento e vigilância; 218 polígrafos; duas unidades de inspeção ferroviária; caminhões equipados para radiação gama; e cinco programas de treinamento, que vão desde ¿inteligência financeira¿ a ¿redução da demanda por drogas¿.
Desde o fim da Guerra Fria, o pouco-caso com a América Latina se tornou uma fina arte em Washington, praticada tanto por governos republicanos quanto por democratas. Mas, mesmo nesse contexto, a indiferença com o México nos últimos dois anos é assombrosa.
O governo de Felipe Calderón ¿ um moderado pró-EUA que derrotou por muito pouco um populista de esquerda nas eleições de 2006 ¿ está envolvido numa batalha com os cartéis da droga que determinará se o país continuará uma democracia em modernização ou se tornará mais um Estado falido. Devido à violência e ao terrorismo, a guerra se parece com a do Iraque ou Afeganistão. Mais de 50 mil militares mexicanos estão a postos para combater os cartéis; cerca de 25 mil pessoas foram mortas em menos de quatro anos. Decapitações se tornaram comuns, além de massacres, assassinatos, batalhas a tiros nas ruas e, agora, carros-bomba.
Os EUA não ignoraram inteiramente a crise. Mas seus esforços para ajudar o governo de Calderón foram atrasados, de pouco valor e enredados em burocracia. O governo Obama propôs US$10,7 bilhões para programas civis no Afeganistão e no Paquistão no orçamento de 2011; para o México, pediu US$300 milhões. O Congresso americano destinou US$3,6 bilhões para a cerca na fronteira com o México, para impedir a entrada de imigrantes ilegais. A Iniciativa Mérida, o programa criado para auxiliar a campanha antinarcóticos do México, recebeu US$1,3 bilhão desde 2008.
Até março, US$121 milhões dessa verba ¿ cerca de 9% ¿ foram realmente gastos. Grande parte do restante ficou atolada em mais de uma dúzia de agências federais. O governo mexicano ficou tão frustrado com a demora que adiantou recursos próprios para operações contra a lavagem de dinheiro. O Departamento de Estado respondeu reprogramando o desembolso do dinheiro prometido, mas não entregue.
Já seria suficiente, não fora os EUA também desempenharem o papel de fornecedor ao inimigo ¿ o que faz com muito mais eficiência. Num debate patrocinado pelo núcleo de estudos Terceira Via, em Washington, o embaixador mexicano, Arturo Sarukhán, denunciou que a grande maioria das armas e do dinheiro que os cartéis recebem procede dos EUA, inclusive de 7 mil lojas de armas licenciadas pelo governo federal no Texas e no Arizona, ao longo da fronteira. Oitenta por cento das 75 mil armas apreendidas pelo governo Calderón nos últimos três anos procediam dos EUA.
Calderón tem pedido ao Congresso e a dois governos americanos para restabelecerem a proibição da venda de armas de ataque e suspenderem a venda ilegal maciça de armas a mexicanos. Quase nada foi feito, apesar da retórica de Obama em apoio às medidas. Sarukhán diplomaticamente informou que as inspeções em busca de dinheiro e armas em veículos que se dirigem ao Sul finalmente começaram. Mas, até agora, houve apenas um punhado de apreensões.
O embaixador sustentou que, apesar das falhas na cooperação, ¿a relação bilateral diplomática formal entre o México e os EUA está boa como sempre esteve no passado recente¿. Mas ¿as percepções do público, em ambos os lados da fronteira¿, ele acrescentou, são outra coisa. Elas vão de encontro à relação bilateral formal.
¿Cidadãos mexicanos acreditam que estamos pagando um alto preço pelo que é, basicamente, uma responsabilidade dos EUA¿, disse o diplomata. Então, indagou, eles votarão num candidato presidencial que continuará a pagar esse preço quando terminar o mandato de Calderón, em 2012?
JACKSON DIEHL é jornalista. © The Washington Post