Título: Caos na volta das férias
Autor: Doca, Geralda; Nogueira, Danielle
Fonte: O Globo, 03/08/2010, Economia, p. 19

Atrasos atingem 26% dos voos, sendo 70% da Gol, com pouco pessoal e muitos pacotes

Geralda Doca, Danielle Nogueira, Wagner Gomes e Flavia Lima

No primeiro teste de fogo desde que as novas regras para proteção de passageiros passaram a valer, problemas enfrentados pela Gol provocaram efeito cascata que levaram o número de voos domésticos atrasados no país a 26% dos 2.162 voos programados em 54 aeroportos brasileiros, segundo dados da Infraero atualizados até 21h de ontem. A média de atrasos nos voos domésticos nos primeiros cinco meses do ano é de 12,4%.

Os problemas enfrentados pela Gol iam de excesso de voos fretados (não regulares) para destinos turísticos em julho a falhas no sistema da empresa que monitora a carga horária dos tripulantes. A decisão dos funcionários de cumprir estritamente a legislação trabalhista do setor - máximo de 85 horas de voo por mês - também fez os passageiros da segunda maior companhia aérea do país passarem por um verdadeiro tormento nos aeroportos na volta das férias. Até as 21h, 393 decolagens domésticas da empresa - 52,5% dos 748 voos programados - sofreram atrasos e 94 viagens (12,6%) foram canceladas. Dos 34 embarques internacionais previstos, 44,1% (15) foram adiados.

Segundo fontes do mercado e dos sindicatos, a empresa teria reativado aviões da antiga Varig para rotas turísticas fechadas, com receita garantida, sem contratar funcionários extras, o que estourou o limite de horas de trabalho determinado por lei, impedindo a formação das tripulações dos voos regulares. Sindicatos dos trabalhadores apontam que o quadro de pessoal enxuto - realidade da empresa - agravou a situação.

Procurada, a Gol chegou a confirmar que houve excesso de fretamentos em julho e que esse foi um dos motivos dos atrasos. "Isso procede", informou a assesssoria de imprensa da aérea, que depois voltou atrás, alegando que a informação não era oficial e que o assunto ainda estava sendo apurado. Ainda segundo a assessoria de imprensa, o principal motivo foi a pane do sistema, que deixou de computar excesso de jornada de determinados funcionários. Mais cedo, em nota, a empresa culpou o excesso de tráfego aéreo, mas o Comando da Aeronáutica informou que não havia anormalidade no movimento, considerado comum para o período de fim de férias.

Funcionários da Gol farão greve no dia 13

Os problemas começaram na madrugada de sexta-feira e se arrastaram até ontem. Segundo dados da Infraero, a Gol respondeu por cerca de 70% dos atrasos e 75% dos cancelamentos registrados ontem no transporte aéreo. Desinformação, esperas de até oito horas e atendimento precário eram a realidade da maior parte de seus clientes. O Aeroporto Internacional do Galeão foi o mais afetado: até as 21h de ontem, 41% dos 105 voos domésticos haviam sofrido atraso e 6,7% deles foram cancelados. No Santos Dumont, 17,5% dos voos domésticos atrasaram e 11,9% foram cancelados.

A professora de história Lena Carolina Vernin enfrentou uma maratona para voltar para casa. O voo da Gol que a traria de Salvador para o Santos Dumont sairia às 4h25m de ontem, mas foi cancelado. Ela acabou embarcando em um voo da TAM às 12h e chegou ao Rio às 14h, no Galeão. Ficou mais uma hora para conseguir um voucher de táxi. Revoltada, procurou o Juizado Especial do Galeão.

- É um absurdo, vou entrar com uma ação contra a empresa - disse Lena, que se recusou a fazer uma conciliação com a Gol no juizado.

A confusão no Galeão estava instalada desde a madrugada de ontem. Muitos já tinham feito o check in, quando foram surpreendidos com a notícia de que os voos da Gol haviam sido cancelados. Houve confusão e discussão entre passageiros e funcionários da aérea. A auditora fiscal da Receita Federal Marta Flores, 47 anos, esperou mais de cinco horas por um voo para Porto Alegre.

- Passamos dias ótimos num resort e agora caímos na real. É uma falta de respeito com o passageiro - protestou a auditora, que passou nove dias em Porto de Galinhas (PE), com o marido e os dois filhos pequenos.

Em São Paulo, a situação não foi diferente. Segundo a Infraero, de 25 partidas canceladas até as 19h no aeroporto de Congonhas, 21 eram da Gol. E dos 55 voos que não saíram na hora, 50 eram da Gol. Um voo da Gol marcado para partir de Cumbica às 11h05m com destino a Vitória acabou sendo cancelado. Depois de muita reclamação, a companhia colocou todos em um ônibus com a promessa de embarque em um voo da TAM que partiria de Congonhas no meio da tarde. Quando chegaram lá, ficaram sabendo que a Gol não tinha dado autorização para o embarque.

O grupo de 31 passageiros se instalou em frente ao balcão da Gol e só conseguiu atendimento depois de muita reclamação. O produtor rural Gilberto Marchesi, de 41 anos não escondia a irritação:

- Congelamos 70 quilos de peixe e trouxemos diretamente do Pantanal em uma mala térmica. O produto tinha 12 horas de validade. Chegaria em bom estado em Vitória se o voo não tivesse sido cancelado.

O secretário dos Comissários do Sindicato dos Aeronautas, Marcelo Faria, confirmou que uma das causas do caos foi o excesso de fretamento em julho. Segundo ele, nos últimos dois meses, a entidade recebeu 700 queixas contra o descumprimento das regras trabalhistas, a maioria contra a Gol. Funcionários da aérea convocaram greve para 13 de agosto. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) informou apenas que está acompanhando a situação. As ações PN (preferenciais, sem direito a voto) da Gol subiram 3,22% ontem na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa).