Título: Chance de vitória sobre a favelização
Autor:
Fonte: O Globo, 31/07/2010, Opinião, p. 6

Favela é tema eterno em qualquer programa e estratégia de governo do prefeito carioca e do governador fluminense. Não podem mesmo deixar de ser levadas em conta áreas onde há algum tempo moram cerca de 20% da população da capital, quase sempre em condições precárias. Os governantes, em linha geral, se dividem entre os de figurino populista, interessados prioritariamente em conquistar os votos deste imenso curral de eleitores, e aqueles dispostos a resolver de fato o problema da favelização, mesmo que, num primeiro momento, não venham a ser compreendidos pelos que pretendem beneficiar

A explicação para o estágio de degradação a que chegou a região metropolitana do Rio está no fato de que, infelizmente, houve mais governantes do primeiro tipo do que do segundo. A visão populista da favela soube manipular o resultado negativo de algumas remoções mal feitas na década de 60 e conseguiu interditar qualquer política que previsse a retirada de moradores de locais de risco e inadequados. Nos últimos tempos, porém, o dogma tem sido superado, mais ainda depois das últimas enxurradas, com o grande número de vítimas em favelas de risco, mas preservadas pela militante rejeição às remoções, atraente bandeira eleitoral. Após as chuvas, a prefeitura e o governo do estado passaram a trabalhar para preservar vidas por meio de remoções. Já não houve a resistência do passado. Agora, em mais um passo para o Rio começar de fato a superar a favelização, o prefeito Eduardo Paes anuncia o projeto Morar Carioca, pelo qual serão licitadas obras de urbanização no valor de R$1 bilhão, até o final do ano. À primeira vista, parece nova versão do Favela Bairro, de governos anteriores. A boa intenção do programa estava no nome: transformar as comunidades carentes em bairros, acabar com a separação entre morro e asfalto. Tal não aconteceu. Embora bem intencionado, o Favela Bairro se resumiu a obras superficiais e, pior, não conteve o crescimento das favelas. Pelo contrário, pois as melhorias atraíram novos moradores. Agora, promete a prefeitura, será diferente. Nada de obras feéricas, de manutenção impossível no futuro - como deverá acontecer com várias construções dos PACs. E controle efetivo e constante da expansão das comunidades. Novas construções, só autorizadas, como no asfalto. Na primeira fase do Morar Carioca, serão beneficiadas 46 favelas, nas quais já existem obras em execução. Há outras 19 para as quais há projetos finalizados, e ainda 13 comunidades com obras em fase de licitação. Todas as 54 favelas com planos de urbanização considerados concluídos serão novamente mapeadas. É quase certo que as benfeitorias do Favela Bairro tenham de ser refeitas. É prometido, também, que não faltarão remoções, por inevitáveis. Há vários ingredientes decisivos para um exitoso programa antifavelização: crédito disponível para habitação popular e até a possibilidade efetiva de se aproveitar investimentos na infraestrutura de transporte de massa da cidade, em função da Copa e das Olimpíadas, para a viabilização de bairros populares dignos, erguidos longe das margens das lagoas da Barra e de Jacarepaguá e da borda de morros nas zonas Sul e Norte. Com vontade política, o prefeito pode fazer muito. Outro bom sinal é a definição de 2020 como horizonte para a urbanização de todas as favelas. O prazo qualifica o projeto como de Estado e não de governo. Como deve ser.