Título: É o fim do berlusconismo?
Autor:
Fonte: O Globo, 31/07/2010, O Mundo, p. 31

A parábola do berlusconismo foi alimentada nesses 16 anos de várias forças motrizes, sendo o poder midiático ¿ sem dúvida ¿ a mais óbvia delas. Há outra, no entanto, igualmente indispensável para compreender o fenômeno: a hiperfragmentação política-social da Itália, um cosmos sem centro de gravidade, onde movem-se como podem empresas, clãs, castas, correntes de partidos, sindicatos e famílias. Um sistema gasoso e atomizado ¿ praticamente desde a queda do Império Romano, que é a chave para entender a desordem em que padece a vida coletiva italiana, e o consistente e recorrente fascínio pela figura de homens fortes que prometem corrigir o problema.

Mussolini gerou um sentimento parecido. Em circunstâncias diferentes na Itália democrática das últimas duas décadas, Berlusconi conquistou um profundo desejo de estabilidade. Diante de uma esquerda pulverizada em dezenas de partidos, o magnata se ergueu unindo atrás dele, talvez um pouco abaixo, a centro-direita e o apoio da elite católica e da espinha dorsal empresarial do país. Hoje essa característica fundamental do berlusconismo tem um desafio existencial.

Gianfranco Fini, o aliado cofundador do Povo da Liberdade, chegou ao extremo com o líder. A rebeldia em si é um duro golpe a Berlusconi. Sua lógica a torna potencialmente fatal. Fini dá como base de sua dissidência uma ¿questão moral¿. Ele e seus seguidores sempre interferiram no Governo, a cada caso de corrupção, abuso de poder ou indecência do gabinete. Sempre que o Executivo coloca o interesse de um indivíduo sobre o coletivo. A questão moral é um assunto delicado.

O roteiro agora está claro: Berlusconi vai lutar a fundo para tentar completar o seu mandado, que expira em 2013. Sem o escudo do poder, teria que passar por terríveis forcas judiciais. Seus adversários? Fini, os democratas-cristãos, os de centro-esquerda? Terão a tentação de recorrer à antiga fórmula italiana de governo técnico.

Berlusconi pode ganhar o jogo, sua rede de poder ainda tem força. Mas o berlusconismo parece gravemente ferido, pela constatação de sua incapacidade de cristalizar uma liderança que dirija o país com ordem. Isso sangrará mais do que o mau estado da economia ou do que suas aventuras sexuais. Muitos italianos pareciam dispostos a perdoar os pecados graves contanto que a liderança fosse garantida.

¿Ai, serva Itália, nave sem timoneiro em grande tempestade¿, lamentou Dante em um canto do Purgatório, lá pelo ano de 1300. A Itália sofre de uma dificuldade crônica para se dotar de timoneiros dignos e capazes. É a função daqueles que trabalham sob a coberta de mantê-la à tona. Constantemente, com navegações maravilhosas.

ANDREA RIZZI é colunista do ¿El País¿