Título: Partido implode e ameaça Berlusconi
Autor:
Fonte: O Globo, 31/07/2010, O Mundo, p. 31

Ruptura com presidente da Câmara pode custar maioria na Casa

SILVIO BERLUSCONI comparece ao Parlamento italiano: briga com aliado pode ter alto custo político

GIANFRANCO Fini: um dos fundadores do PDL

ROMA

Atália mergulhou ontem numa grave crise política depois que o premier Silvio Berlusconi rompeu com seu mais importante aliado e presidente da Câmara, Gianfranco Fini, privando o governo da larga maioria que mantinha na casa e suscitando temores de que a formação possa ser dissolvida. O imbróglio teve início na noite de quinta-feira, quando Berlusconi acusou Fini de traição e de tentar provocar uma morte lenta do Povo da Liberdade (PDL), partido de centro-direita fundado há dois anos por ambos.

Há meses os dois políticos vinham travando um duro combate verbal, que culminou na expulsão de Fini do PDL por, supostamente, não mais representar os ideais do partido.

¿ Graças à sofrida, mas necessária, escolha temos condições de governar mais serenos e com clareza. Durante dois anos, enquanto o governo enfrentou com sucesso desafios dificílimos, como a crise econômica mais grave desde 1929, outras pessoas dentro da nossa formação política remavam contra ¿ explicou o premier.

Após a ruptura, Berlusconi exortou o antigo aliado a deixar seu cargo na Câmara.

¿ Obviamente, não entregarei minha demissão ¿ retrucou Fini durante entrevista coletiva, aproveitando a ocasião para anunciar a formação de um novo grupo independente na Câmara e no Senado, chamado de Futuro e Liberdade para a Itália, que já teria a adesão de 33 deputados, 10 senadores e o próprio político.

De acordo com o presidente da Câmara, o grupo é formado ¿por homens e mulheres livres que apoiarão lealmente o governo todas as vezes em que forem tomadas decisões baseadas no programa eleitoral, e contestarão as escolhas que lesem o interesse geral injustamente¿.

¿ Apoiaremos o Executivo, mas não as leis que não forem fruto do interesse geral ¿ advertiu o presidente da Câmara, referindo-se sobretudo à controversa Lei da Mordaça, que restringe o uso de escutas e foi duramente criticada por Fini, acelerando a ruptura entre os dois.

Ao anunciar o fim da aliança com o premier, Fini não poupou críticas a Berlusconi.

¿ Eu defendo a legalidade. Confundem continuísmo com impunidade ¿ disparou Fini contra o Cavaliere, constantemente acusado pela oposição de apoiar projetos de lei que o livrem, assim como a seus aliados, da Justiça.

Berlusconi sempre se considerou o padrinho político de Fini, rótulo que o pupilo rejeita. Os 16 anos de aliança política foram pontuados por choques, devido a personalidades conflituosas: Fini, ex-neonazista que adota o estilo político profissional e defende invariavelmente o papel das instâncias políticas, nunca digeriu totalmente a figura de empreendedor de sucesso da qual seu ex-aliado se serve.

Analistas não descartam dissolução do governo

O racha entre os dois políticos mais poderosos do governo pode representar, para o premier, a perda da maioria na Câmara. A coalizão formada pelo PDL e pela Liga Norte tinha 344 deputados, incluindo 14 de pequenos partidos, que decidem seus votos caso a caso. Com a migração de 34, restariam apenas 310. Para ter maioria na Casa, o governo precisa de 316 deputados. A maioria no Senado fica garantida, por pouco.

Sem o apoio de Fini, Berlusconi se tornará refém das decisões das pequenas agremiações de direita e da Liga Norte, fato que causou a queda de um de seus governos no final de 1994, quando este último partido retirou seu apoio. O premier, porém, diz que ainda tem a maioria no Parlamento, e que sua base é sólida.

¿ Temos os números para continuar com o nosso governo ¿ assegurou Berlusconi, sem dar detalhes de seus cálculos matemáticos.

A Itália adota o modelo parlamentarista, no qual o premier pode ser derrubado caso perca a maioria no Legislativo.

O fato é sem precedentes e o desfecho da crise ainda é incerto. Encontrando um primeiro ponto em comum em meses, Berlusconi e Fini descartaram novas eleições antes de 2013, quando a atual legislatura chega ao fim. Mas alguns analistas italianos afirmaram que, se um grande número de deputados e senadores migrar para o novo grupo, Berlusconi poderia ficar tentado a dissolver o governo e convocar novas eleições ¿ convencido de que se daria bem nas urnas mesmo sem o apoio de Fini.

Da mesma forma, o presidente Giorgio Napolitano instou o Executivo a salvaguardar a continuidade institucional tratando dos problemas internamente no PDL. Mas deixou claro que poderia constituir um governo interino caso a situação fique ingovernável.