Título: Em defesa dos jovens estudantes
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 29/06/2009, Política, p. 2

Só 3% dos 16 milhões de alunos beneficiados pelo Bolsa Família estão no ensino médio. Especialistas cobram reversão desse quadro

Renata Mariz

Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press - 20/10/05 Lula e Dilma num evento sobre o Bolsa Família. O Planalto aposta no programa como arma eleitoral em 2010

O certificado de ensino fundamental perde, cada vez mais, o poder de garantir uma condição de vida razoável ao brasileiro. Tal percepção quase geral na sociedade, só que feita de forma intuitiva, ganhou comprovação estatística no ainda inédito estudo Mobilidade Social no Brasil: o papel da educação e das transferências de renda. A pesquisa mostra, utilizando dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que, enquanto apenas 6% da população de 25 anos ou mais com oito anos de estudo viviam na pobreza em 1976, esse índice subiu para 14% em 2006. ¿E a tendência é que aumente, na medida em que o mercado de trabalho se torna exigente¿, afirma Marcelo Medeiros, um dos autores do levantamento e integrante do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Nessa perspectiva, o especialista ressalta a necessidade de estender ao ensino médio o Bolsa Família, principal programa do governo federal de redução de pobreza(1) e uma das apostas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para eleger a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, presidente da República em 2010.

Hoje, apenas 3% dos 16,2 milhões de alunos beneficiados pelo Bolsa Família estão no ensino médio. Eles se enquadram no auxílio criado em março do ano passado para pessoas de 16 e 17 anos. Pela idade, são meninos que deveriam frequentar o antigo segundo grau, mas devido ao atraso escolar só 30% deles cursam a série adequada. Ciente da necessidade de garantir o ensino médio aos alunos brasileiros, o Ministério da Educação atua em diversas frentes, inclusive com uma proposta de tornar essa etapa escolar obrigatória(2) no país. Mas a pasta discorda da necessidade de modificar regras do Bolsa Família para alcançar o público do ensino médio, grande parte hoje com idade superior ao limite de 17 anos.

¿Primeiro, porque o programa segue uma lógica de manter o limite de 17 anos para focar na família. Sabemos que um jovem de 18 ou 19 não tem mais uma vinculação forte com o grupo familiar, pelo menos dentro desse conceito do Bolsa. Muitas vezes, são pessoas que estão construindo suas próprias famílias, têm filhos. A segunda questão é que, ainda que o garoto termine o ensino fundamental com 16 ou 17 anos, já enxergamos isso como um avanço. Veja que, apesar do atraso, essa geração, que provavelmente tem pais analfabetos, conseguiu romper um histórico familiar importante¿, explica Daniel Ximenes, diretor de Estudos e Acompanhamento das Vulnerabilidades Educacionais do MEC.

Ascensão social A estratégia do governo federal, segundo Ximenes, para colocar o aluno brasileiro no ensino médio é, além de tornar essa etapa educacional atraente, ampliando a oferta e adotando melhorias pedagógicas, ajustar a distorção idade-série nos anos escolares iniciais. Para se ter ideia, 44% dos adolescentes entre 15 e 17 anos no país ainda não completaram o ensino fundamental. Um dos autores do estudo, Rafael Osório, pesquisador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), defende a utilização do Bolsa Família como instrumento para incentivar a conclusão do segundo grau. ¿Se você não garantir aos mais pobres um incentivo relevante, dificilmente eles completarão essa etapa crucial para uma melhora de vida¿, destaca.

Mesma opinião tem Celi Scalon, especialista em desigualdade, estratificação e programas sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela ressalta, porém, que a educação não é o único meio de garantir ascensão social. ¿Lógico que escolaridade se configura em um elemento importante, mas existem outros fatores, como redes sociais, acesso à tecnologia, cultura familiar¿, destaca. Diretora do Centro de Estudos de Desigualdade, ligado à Universidade Federal Fluminense, Celia Kerstenetzky questiona ainda o nível da educação. ¿O vetor mais importante de progressão escolar, na minha opinião, é a própria escola, a qualidade do ensino, a atratividade, extensão de jornada, não o Bolsa Família¿, afirma.

E provoca: ¿Temos de decidir se queremos que crianças e adolescentes estejam na escola porque desejamos que tenham acesso a oportunidades de realização e desenvolvimento ou, simplesmente, como contrapartida pelo custo do programa.¿

1- POBREZA Não existe um critério oficial de pobreza no Brasil, mas patamares internacionais. No estudo citado, a linha de pobreza adotada foi de R$ 140,83 per capita familiar. O Bolsa Família, que começou trabalhando com R$ 120, ampliou o limite para os atuais R$ 137 per capita familiar.

2- ENSINO OBRIGATÓRIO Aguarda votação em dois turnos no plenário da Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição 277/2008, que prevê o fim gradual da Desvinculação de Receitas da União (DRU) para a educação até 2011. Ao mesmo tempo, o texto amplia o ensino obrigatório ¿ hoje dos 6 aos 14 ¿ para dos 4 aos 17 anos. A retirada da DRU significaria o acréscimo de cerca de R$ 9 bi anuais ao orçamento do MEC, dinheiro que seria usado para ampliar o tempo das crianças e adolescentes na escola.

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E eu com isso?

As disparidades sociais podem travar a expansão econômica do país, que esbarra na falta de mão de obra qualificada. Por isso, há um clamor pelo aumento dos investimentos na educação. O reforço orçamentário é considerado essencial para dar chances aos mais pobres de disputar uma vaga no mercado de trabalho e, assim, tentar ascender socialmente.