Título: Em vez de Uribe, Lula fala direto com Santos
Autor: Góis, Chico de; Yanakiew, Monica
Fonte: O Globo, 31/07/2010, O Mundo, p. 32

Presidente afirma que a relação com o atual líder colombiano é extraordinária. Farc querem diálogo com o novo governo

BRASÍLIA e VILLA HAYES, Paraguai. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva preferiu ignorar o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, que, num comunicado divulgado anteontem classificara de deploráveis as declarações do brasileiro sobre o conflito com a Venezuela. Embora tenha dito no Paraguai que sua relação com Uribe é extraordinária, Lula optou por falar diretamente com o presidente eleito, Juan Manuel Santos, que toma posse dia 7.

Lula e Santos conversaram por telefone, ontem pela manhã, mas o porta-voz da Presidência, Marcelo Baumbach, não soube dizer de quem partiu a iniciativa. Para Baumbach, o episódio de anteontem ficou para trás.

- O presidente acha que o episódio está superado. Ele não comentou e nem comentará (o tom das críticas de Uribe) - disse Baumbach, lacônico sobre o diálogo com Santos: - O presidente considerou que a conversa foi positiva e que ajudou nesta preparação para uma distensão.

Lula espera participar de jantar de despedida de Uribe

Na quinta-feira, Uribe criticara declarações de Lula, para quem o conflito entre Venezuela e Colômbia era no campo verbal. Segundo Uribe, o governo brasileiro ignora "a ameaça que representa a presença dos terroristas das Farc" (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) na Venezuela. Caracas e Bogotá cortaram relações depois de a Colômbia acusar a Venezuela de tolerar a presença de guerrilheiros em seu território.

- Sou amigo de Uribe, tenho com o presidente uma relação de oito anos extraordinária, da mesma maneira que espero ter nos próximos cinco meses (restante de sua Presidência) com Santos - disse Lula em Villa Hayes, 30 quilômetros a noroeste de Assunção.

Ele garantiu que não deixará "uma divergência pessoal atrapalhar a relação de um Estado com outro Estado" e que, não só irá ao jantar de despedida de Uribe no próximo dia 6, como espera ser convidado para sentar-se na mesma mesa.

De acordo com assessores que estavam na sala na hora da ligação para Santos, o presidente eleito expressou sua intenção de manter boas relações com o Brasil. Os dois não falaram das críticas de Uribe. Lula afirmou ao colega eleito que não irá se intrometer em assuntos internos da Colômbia, deixando a entender que considera que o problema com as Farc não diz respeito ao Brasil. Ao final do telefonema, ele convidou Santos a visitar o Brasil, o que foi aceito. No entanto, ainda não há data agendada.

Ex-ministro da Defesa de Uribe, Santos recebeu ontem um sinal de que a guerrilha estaria disposta a conversar. Alfonso Cano, líder das Farc, colocou na internet três vídeos de pouco mais de dez minutos cada, dirigidos ao presidente eleito, ao país e à União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Apesar das pesadas críticas a Uribe e mesmo a Santos, Cano apresenta cinco pontos sobre os quais conversaria com o novo governo: bases militares (usadas pelos EUA), direitos humanos, equilíbrio ecológico, regime político e modelo econômico.

- Conversemos - disse Cano. - (As Farc) convidam ao diálogo e à busca da solução política para o conflito interno colombiano.

Já o chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, prometeu ontem que seu país combaterá qualquer grupo que entre em seu território. A declaração veio um dia depois da reunião da Unasul sobre o conflito, que terminou sem um consenso.

Em seu editorial ontem, o jornal "The Washington Post" considerou convincente o material apresentado pela Colômbia e que comprovaria a presença da guerrilha na Venezuela. Para o "Post", Uribe se sente frustrado com a comunidade internacional que se nega a responsabilizar o presidente Hugo Chávez. O texto cita o Brasil como um dos principais admiradores do presidente venezuelano. "Se o apoio fosse retirado, Chávez teria que repensar sua aliança terrorista", diz o editorial.

No Peru, quatro colombianos foram presos perto da fronteira com o Brasil, suspeitos de fazerem parte das Farc.

Com agências internacionais