Título: Um mergulho de 3% no PIB
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 22/07/2010, Economia, p. 23

Mantega rebate crítica à "bomba fiscal" e diz que pacote do governo evitou forte recessão no país em 2009

BRASÍLIA

O pacote de medidas para estimular a economia durante crise, que incluiu a capitalização do BNDES em quase R$ 200 bilhões, salvou 2009 e evitou que o Produto Interno Bruto (PIB) caísse 3%. É com esse argumento que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, preparou-se para rebater as críticas de que o governo estaria armando uma bomba fiscal, ao usar recursos do Tesouro para injetar dinheiro no banco de fomento. Em entrevista ao GLOBO, ele defendeu a medida e disse que todos os subsídios concedidos ao BNDES e ao setor produtivo já retornaram aos cofres públicos.

Sem citar nomes, Mantega também disparou contra os críticos, muitos deles, segundo fontes próximas ao ministro, ex-integrantes do governo, como Maílson da Nóbrega (ministro da Fazenda de 1988 a 1990) e Alexandre Schwartsman (diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central de 2003 a 2006), afirmando que eles têm dor de cotovelo. Ele admitiu que deve fazer uma nova capitalização do BNDES este ano, mas num valor menor do que as anteriores e disse que quer turbinar o setor privado, para estimular o financiamento de projetos de infraestrutura no país. Para isso, o governo deve reduzir a tributação de títulos de longo prazo associados a essas obras. A seguir, os principais trechos da entrevista:

CRISE: Se nós saímos logo da crise, foi porque usamos instrumentos fiscais e de crédito.

O BNDES recebeu R$ 200 bilhões para emprestar. Foi ousado, mas graças a isso conseguimos recuperar rapidamente o nível de investimento. Também recuperamos o consumo com desonerações fiscais. Foi totalmente salutar para economia brasileira. Calculamos que, se não tivéssemos tomado as medidas, o PIB brasileiro em 2009 teria sido negativo em 3%, em vez de ter empatado como empatamos

SUBSÍDIOS: Tudo o que nós demos de subsídio foi compensado com tributos pagos pela atividade econômica que foi fomentada.

Não se compara com o que nós obtivemos em ganhos. No caso do BNDES, essa conta foi de R$ 5 bilhões (ao ano). Mas o banco está gerando lucro, entre R$ 6,5 bilhões e R$ 7 bilhões, e nós, que somos o principal acionista, pegamos uma parte disso. É quase custo zero. Temos até vantagem quando emprestamos ao BNDES.

CRÍTICOS: Eu vejo que tem uns críticos que já participaram do governo. Cada um deles deve ter ajudado a quebrar o país algumas vezes. Um provocou hiperinflação, o outro crise cambial, o outro aumentou a dívida. Não vou citar nomes, mas se eles estivessem no meu lugar, não teriam emprestado dinheiro ao BNDES e, portanto, nós teríamos passado pela crise igual a outros países que ainda não se recuperaram. Tem até gente que teria gostado que nós não fizéssemos nada e deixássemos o Brasil ter o mesmo destino dos países que tiveram uma depressão.

Só para depois dizer que não tínhamos competência para administrar o país. Não sei se estão com dor de cotovelo. Tem aí ex-presidentes do BC, ex não sei o quê criticando. Vai ver o que eles fizeram? Aumentaram dívida, aumentaram déficit. Tem um ciúme aí e ficam criticando as medidas inovadoras que fizemos.

MERCADO: O mercado financeiro não pode reclamar (das medidas adotadas pelo governo).

Quando aconteceu a crise, eles (bancos) todos recuaram. Se os bancos públicos não tivessem entrado, teríamos quebrado mais uma vez. O BNDES teve que entrar em campo. Não tínhamos ataque e ficamos com uma defesa fragilizada. O BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa entraram no ataque e fizeram um trabalho brilhante.

RISCO DO BNDES: O BNDES não joga dinheiro por helicóptero. Ele analisa cada projeto com cuidado. O nível de inadimplência do banco é menos de 1% do nível de empréstimo. O seguro está muito bem modelado e a prova dos nove é que a inadimplência é baixa.

NOVA CAPITALIZAÇÃO: O BNDES sempre recebeu recursos. Recebia menos no passado.

Mas ele dá lucro para o governo. Ainda não temos planos de fazer uma nova capitalização este ano, mas talvez não seja possível dar zero. Talvez para consolidar uma parte dos projetos que começaram a ser feitos em 2010, tenhamos que dar mais alguma coisa, mas numa dimensão muito menor do que demos em 2009 e 2010.

FUTURO DO BNDES: O banco vai ter que buscar mais alternativas de mercado. Ele tem uma fonte de recurso própria, que é a devolução dos empréstimos, depois tem recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).

Tudo isso soma R$ 70 bilhões, ou R$ 80 bilhões. Mas pode colocar debêntures no mercado, captar no exterior, receber empréstimos do BID (Banco Internamericano de Desenvolvimento) e do Bird (Banco Mundial).

Vai ter que trilhar essas outras alternativas.

SETOR PRIVADO: Nosso sistema de crédito ficou acanhado para o volume de atividade que ocorre hoje no Brasil. Por isso, quero que o setor privado seja turbinado. Estamos estudando a redução de tributos para estimular a captação de longo prazo. Quando você estimula uma debênture, ou você cria uma debênture, você estimula a poupança e viabiliza projeto de investimento.

Por exemplo, Belo Monte emite uma debênture.

O aplicador nesse papel pode não pagar imposto.

Isso permite captar com taxa menor e dar remuneração maior para o investidor. Esse arcabouço vai estar pronto até o fim do ano, para que em 2011 tenhamos um sistema financeiro que dê conta dos desafios.

DÍVIDA BRUTA: Em outros países, houve grande aumento da dívida bruta e da dívida líquida durante a crise. Eles tiveram que colocar dinheiro na economia e isso impactou a dívida bruta a fundo perdido. No caso do Brasil, o aumento na dívida tem como contrapartida um empréstimo que está do outro lado. É um recebível do Tesouro que o BNDES vai devolver. Não é um problema. Você tem que olhar a composição da dívida para saber se ela é boa.

SEGURADORA PÚBLICA: Existe um interesse comum entre governo e setor privado de que é preciso melhorar o sistema de garantias que existe no Brasil. Há uma multiplicação de demanda por seguro no país. Hoje, o nível de seguro sobre o PIB é pouco mais de 3%, mas o volume adequado seria 8%. O setor sugere a criação de uma agência que trabalhe com um fundo garantidor. Nós optamos por uma empresa de seguro. Podemos aproximar as propostas. Nem exatamente uma agência nem exatamente uma empresa seguradora. Pode ser um misto das duas coisas.