Título: Portas abertas aos dissidentes
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Fonte: O Globo, 22/07/2010, O Mundo, p. 30

EUA receberão adversários do regime libertados da prisão por Cuba como refugiados

HAVANA e WASHINGTON

Os EUA se preparam para receber o primeiro ex-prisioneiro cubano da Primavera Negra, e anunciam que estão prontos a acolher como refugiados outros dissidentes cubanos que Raúl Castro prometeu libertar em breve.

Depois de um mês de espera, Ariel Sigler, que está em cadeira de rodas, recebeu finalmente autorização do governo cubano para viajar aos Estados Unidos. Ele é um dos 75 dissidentes políticos presos na primavera de 2003, e fora condenado a 20 anos de prisão. Devido ao seu estado de saúde, foi o primeiro do grupo a deixar o cárcere, em 12 de junho.

A decisão de Cuba ocorre no mesmo dia em que os EUA anunciaram publicamente que podem acolher, na qualidade de refugiados, os dissidentes cubanos ainda não libertados por Havana. A posição americana demarca uma clara diferença em relação à do governo da Espanha, criticado publicamente por não esclarecer o status de dez ex-presos cubanos que chegaram ao país.

O Departamento de Estado dos EUA afirmou que facilitará os procedimentos para que os prisioneiros políticos possam solicitar sua partida aos EUA pessoalmente, quando forem libertados, e dessa forma viajariam ao país como cidadãos livres, e não como deportados, como ocorreu com os 12 dissidentes enviados à Espanha. Cuba não comentou a decisão.

Isso é parte do nosso diálogo com as famílias dos prisioneiros políticos afirmou o porta-voz do Departamento de Estado, Philip Crowley.

Recentemente, representantes dos EUA vêm mantendo contato com familiares dos presos. Se optarem por ir aos EUA, os cubanos receberão ajuda financeira por três meses. Após um ano, poderão solicitar residência permanente, e visitar parentes em Cuba.

Eles explicaram que todos os que quiserem se registrar no programa de refugiados podem fazê-lo.

É uma boa oportunidade, porque alguns de nós não queremos ir à Espanha disse Bertha Soler, uma das Damas de Branco e mulher do dissidente Angel Moya.

Libertação pode influir em embargo

Entre 15 e 20 presos expressaram sua vontade de permanecer em Cuba ou ir aos EUA, onde se juntariam a uma diáspora de 1,5 milhões de cubanos. Até agora, a Espanha já recebeu 12 ex-presos, sendo que o último deles chegou ontem a Madri. A decisão do governo cubano de libertar 52 presos ocorreu mediante negociações entre o cardeal cubano Jaime Ortega e o presidente Raúl Castro. Ortega esteve em junho em Washington, e sua visita poderia ter influenciado a decisão americana de facilitar os trâmites para receber os dissidentes.

Ontem, o ministro do Exterior espanhol, Miguel Angel Moratinos, disse no Parlamento que todos os presos políticos cubanos serão libertados.

Para Moratinos, o ato poderia levar os EUA a levantar o embargo econômico imposto a Cuba há décadas e permitir uma mudança da política da União Europeia (UE) para Cuba.

A porta-voz da embaixada dos EUA em Madri afirmou que, apesar de apreciar a libertação dos presos políticos, ainda era cedo para dizer se o ato teria um impacto sobre o embargo.

Da mesma forma, a França e a Alemanha se mostraram mais cautelosas em relação à possibilidade de uma nova Posição Comum da UE para Cuba.

De acordo com o dissidente Elizardo Sánchez, presidente da ilegal mas tolerada Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, o governo de Raúl Castro está libertando os presos exclusivamente com objetivos políticos e econômicos de curto prazo, e depois fechará as portas. Para Sánchez, a intenção de Raúl é conseguir empréstimos da União Europeia ou de outros organismos internacionais.

Cuba enfrenta uma de suas piores crises econômicas desde o fim da União Soviética em 1991.