Título: O abacaxi do novo governo
Autor: Marqueiro, Paulo
Fonte: O Globo, 24/07/2010, O País, p. 3

Especialistas dizem que não há demanda para o TAV e que custo pode triplicar Aconstrução do Trem de Alta Velocidade (TAV), ou trem-bala, que ligará o Rio a São Paulo e Campinas, divide especialistas nas duas pontas da linha.

Orçada em R$ 33 bilhões, com financiamento de R$ 19,9 bilhões do BNDES, a obra mais cara do PAC é vista com ressalvas por técnicos do Rio e de São Paulo. O engenheiro Fernando Mac Dowell, consultor da área de transportes, sustenta que a demanda prevista para o TAV (32 milhões de passageiros por ano, em todo o sistema) é fantasiosa: Não há demanda para sustentar o sistema. Não se pode achar que o TAV vai gerar muito mais gente do que há nos setores aéreo e rodoviário.

Com os dados existentes, a conta corre o risco de não fechar. O problema é da concessionária? E quando começar o déficit? Vão acabar pedindo ao governo para salvar.

Professor de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ, Ronaldo Balassiano considera fundamental uma ligação ferroviária Rio-São Paulo, mas também critica o modelo adotado.

Segundo ele, os custos do TAV deverão ficar muito acima do informado: O trem-bala custará no mínimo o dobro (R$ 66 bilhões) e, provavelmente, o triplo (R$ 99 bilhões). O prazo também parece ter saído da cartola.

Se tudo correr bem, fica pronto em 2020. O abacaxi está aí. O próximo governo terá de descascá-lo.

Balassiano diz ainda que a implantação do TAV poderá afetar seriamente o setor aéreo: O trecho Rio-São Paulo é o filé mignon do setor aéreo. Então existe a chance de o TAV criar um problema grande, porque quando você mexe com a galinha dos ovos de ouro, mexe com o setor todo.

A incerteza sobre a demanda, segundo ele, é outro problema sério: A demanda que eles dizem que tem, na verdade, não tem, porque o TAV teria que pegar a demanda de todos os outros setores.

Ex-secretário estadual de Transportes de São Paulo e ex-presidente do metrô paulista, o engenheiro Plínio Assmann diz que o trem-bala não é prioritário para o estado: Temos obras mais urgentes.

Com esse recurso, usando o mesmo modelo de participação privada, daria para fazer quatro ou cinco linhas de metrô no Rio e em São Paulo.

Para Assmann, mais que trembala, São Paulo precisa de ligações de média distância: As pessoas moram em cidades de média distância em relação ao trabalho, em São Paulo. No Rio de Janeiro, é a mesma coisa. Esses projetos (de ligações médias) dariam resultados imediatos.

Outro que questiona a prioridade para o trem-bala é Josef Barat, que foi secretário de Transportes do Rio e de São Paulo e já dirigiu a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Embora enfatize a necessidade de um transporte rápido no eixo RioSão Paulo-Campinas, ele diz que a ponte aérea dá conta do recado: Não existe um congestionamento do espaço aéreo no trecho Rio-São Paulo como acontece nas rotas internas da União Europeia e da costa leste dos Estados Unidos afirma Barat, para quem o grande gargalo do setor ferroviário hoje está no setor de carga e não no de passageiros.

Professor de engenharia elétrica da Coppe/UFRJ e responsável pelo projeto do trem de levitação magnética (Maglev-Cobra), Richard Stephan diz não se opor à ideia de um trem de alta velocidade entre Rio e São Paulo, mas discorda da forma como o projeto está sendo tocado: O Brasil precisa de transporte.

O que me choca é que, lendo o edital, vejo que não existe abertura para a tecnologia de levitação magnética. Se partíssemos para essa tecnologia, o custo das obras civis cairia 50%.

Segundo Stephan, na China, trens de levitação magnética já operam comercialmente desde 2004 num percurso de 30 quilômetros, entre o aeroporto de Pudong, em Xangai, e o centro da cidade.

Vamos investir R$ 33 bilhões numa tecnologia que tem pouca perspetiva de crescimento. Talvez o maior erro seja querer fazer tudo a toque de caixa diz Stephan.

Entre os que se colocam a favor do TAV está o presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer), Vicente Abate: O Brasil está atrasado neste setor, e o TAV põe o Brasil no primeiro mundo. Já estava mais do que na hora de termos um trem de alta velocidade.

Abate afirma, no entanto, que há uma preocupação do setor em relação ao fato de a demanda prevista estar superestimada: Por isso, o ideal seria uma compensação, por exemplo, com uma taxa menor de juros, de modo a não afetar o retorno do investimento se não houver aquela demanda estimada.