Título: Tráfico de armas é desafio global
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Fonte: O Globo, 01/08/2010, Opinião, p. 6

Em recente reportagem, o jornal Washington Post comparou a guerra entre o governo mexicano e os cartéis de drogas, e entre os próprios cartéis, com a violência no Iraque e no Afeganistão.

O embaixador do México nos EUA, Arturo Sarukhán, denunciou que a grande maioria das armas e do dinheiro dos cartéis procede dos EUA, inclusive de 7 mil lojas de armas licenciadas pelo governo federal no Texas e no Arizona, ao longo da fronteira. Oitenta por cento das 75 mil armas apreendidas pelo governo mexicano nos últimos três anos procediam dos EUA, segundo o diplomata.

São dados que confirmam o que já se sabe: o tráfico de armas é um problema global equivalente ao terrorismo, ao tráfico de drogas, à lavagem de dinheiro, ao desafio ambiental. Há tempos, os EUA discutem os prós e os contras da difusão das armas leves entre a população, fato que remete à formação americana, ao direito de cada um se defender. Tanto que o lobby em defesa do direito de portar armas é fortíssimo.

Mas quando a guerra das drogas está a ponto de inviabilizar o México como um Estado democrático e que 80% das armas que os cartéis utilizam vêm dos EUA, o problema deixa de ser apenas nacional. A livre venda de armas na extensa fronteira com o México deveria ser reexaminada.

Situações semelhantes ocorrem em outros em pontos do mundo e, com certeza, no Rio de Janeiro. A presença de fuzis de assalto entre os traficantes das favelas cariocas é um grande fator de agravamento da violência na cidade.

Esses armamentos entram pelas fronteiras brasileiras, cuja grande extensão torna a vigilância extremamente difícil. É sabido que muitas armas que acabam nas mãos de bandidos são produzidas no país, exportadas, e acabam voltando como contrabando.

É notório que a redução da violência é diretamente proporcional à redução das armas em poder da população. Foi o que mostrou, por exemplo, a Campanha do Desarmamento. Segundo estudo da ONG Viva Rio e da Subcomissão de Armas e Munições da Câmara dos Deputados, a combinação entre a proibição do porte e o recolhimento de armas em 2005 e 2008 reduziram em 12% os homicídios por armas de fogo no Brasil; seis mil vidas foram salvas.

O Mapa da Violência 2010, da ONG Instituto Sangari, mostra um declínio na taxa de homicídios no Brasil entre 1997 e 2007. Mas há aspectos preocupantes: entre os 12 e os 15 anos de idade, a cada ano de vida praticamente dobram o número e as taxas de homicídio entre adolescentes.

Desde 2006, os países debatem na ONU a viabilidade de um tratado internacional para prevenir que armas ilegalmente comercializadas fomentem guerras, conflitos e atrocidades.

Houve progressos numa nova rodada de discussões, realizada recentemente. Todos os países concordaram com o princípio de que deve haver um tratado. E o presidente Obama mudou a posição americana, passando a apoiar os esforços nessa direção.

No calendário da ONU, uma conferência de quatro semanas para negociar o tratado está prevista para 2012. Mas não dá para esperar. A comunidade internacional precisa fazer um grande esforço para evitar que armamentos continuem indo parar nas mãos erradas.