Título: Estrutura do BNDES interessou ao governo Obama
Autor: Vidor, George
Fonte: O Globo, 01/08/2010, Economia, p. 37
Ex-presidente elogia meritocracia da instituição Há poucos dias o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, esteve em Washington e constatou lá a dificuldade do governo americano para deslanchar um programa que revitalize a infraestrutura dos Estados Unidos, escolhido pela administração Obama como uma prioridade óbvia para a economia retomar com firmeza a trajetória de crescimento. No entanto, as responsabilidades são em grande parte estaduais ou municipais, e governadores e prefeitos americanos estão sem condições financeiras de dar partida a projetos, mesmo envolvendo parcerias com o setor privado (o governador Arnold Schwarzenegger, da Califórnia, vive ameaçando decretar falência em seu estado, o mais rico dos EUA).
Nesse caso, eles se ressentem de um banco de infraestrutura, um banco público.
Por isso, um assessor do presidente Obama se mostrou muito interessado em saber como funcionava o BNDES, como evitávamos a inadimplência. Depois de fazer um resumo sobre a atuação do banco, esse assessor comentou: É, uma instituição como essa não se faz da noite para o dia contou.
Luciano Coutinho fez essa observação como elogio de corpo presente a Marcos Vianna, o presidente que mais tempo permaneceu à frente do BNDES: Ter uma instituição com a qualidade do BNDES é um ativo importante para o país frisou.
Marcos Vianna, modestamente, passou a bola para os fundadores do banco, Lucas Lopes e Roberto Campos, já falecidos.
Desde o início o banco adotou como regra a meritocracia, contratando por concurso público e promovendo seus funcionários por merecimento, sem interferência de políticos ressaltou Vianna.
Isso entrou na genética, no DNA do banco complementou Coutinho, mais uma vez se inspirando no seu hipotético assessor Charles Darwin.
E nesse ambiente de recordações não nostálgico, Marcos Vianna revelou que o bom relacionamento mantido sob total discrição, a ponto de seu chefe, o então ministro Reis Velloso, desconhecê-lo com o general Geisel, que viria a assumir a Presidência da República, garantiu ao BNDES recursos de longo prazo: Vivíamos uma situação complicada, pois emprestávamos sem ter a certeza de que no ano seguinte contaríamos com os recursos para fazer os desembolsos. Quando Geisel, antes de ser empossado, me pediu para continuar no BNDES, disse que não por causa desse problema. Como Geisel prometeu dar uma solução, permaneci no banco. Tive então a ideia de reivindicar a gestão dos recursos do PIS e do Pasep, que estavam na esfera do Ministério da Fazenda, que era comandado pelo Delfim (Netto). Dias antes da posse, levei ao Velloso, já redigido em papel com as armas da República, os atos que formalizavam essa transferência. O ministro achou que era uma loucura, mas insisti para ele levar a proposta ao presidente, pois já sabia que Geisel assinaria embaixo. E foi o que aconteceu, garantindo ao banco recursos tipicamente de longo prazo, o que, aliás, era o mais apropriado aos fundos do PIS e do Pasep, que na Caixa Econômica e no Banco do Brasil serviam somente para financiar capital de giro das empresas.
Com esse relato, ficou no ar a indagação: o BNDES hoje não deveria se respaldar em outras fontes de recursos, em vez de contar com empréstimos de títulos do Tesouro? Luciano Coutinho não foge do tema, e diz que estão estudando no banco algo nessa direção (sem revelar se ele, pessoalmente, tem alguma amizade secreta, semelhante à de Vianna com Geisel, capaz de assegurar que a futura proposta possa ser atendida).
Seja como for, Luciano Coutinho acredita que, daqui para a frente, a tendência é o mercado se fazer mais presente no financiamento dos investimentos e de aquisições que possibilitem a empresas brasileiras participar do jogo global.
Esse equilíbrio virá garantiu Coutinho.
(George Vidor)